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Pessoas & Cidades*

Como se conhece uma cidade? Existem vários métodos. Alguns turistas preferem aquelas excursões onde visitam cinco países em dez dias. Entram em um ônibus confortável com ar refrigerado, guia local, cafezinho a bordo e fazem um city tour de três horas. Tiram fotos, selfies, compram lembrancinhas nos principais pontos turísticos e postam em suas redes sociais.

Outros optam por permanecer mais tempo na cidade, visitam parques, museus, restaurantes, conversam com pessoas. Dependendo da duração da estadia, aprendem a se locomover de metrô ou ônibus, fazem compras em lugares mais baratos, alimentam-se em restaurantes não turísticos, não erram tantos caminhos e até mesmo formam amizades genuínas com cidadãos locais. Começam a ter intimidade com a cidade, salvando-se do isolamento dos forasteiros.

Mesmo assim, ainda falta muito para se conhecer uma cidade. Sua história, projetos para o futuro, rede elétrica, viária, pluvial, educacional, religiosa, financeira, sistema de saúde, governantes, artistas, mártires, traidores. É preciso muito tempo e dedicação para se conhecer uma cidade e quando se pensa que conhece tudo, surgem novos viadutos, moradores, prédios, shoppings, leis, buracos. Isso tudo sem contar o custo de vida para um estrangeiro ali residir e a possibilidade de não adaptação aos costumes nativos.

Conhecer pessoas e se relacionar é tão ou mais difícil que conhecer uma cidade. A começar que pessoas são muito mais que cidades, cada pessoa é um universo a ser desvendado.

Quanto tempo e dedicação cada indivíduo está disposto a investir no relacionamento? Realizar um city tour superficial ou comprar um lugarzinho no coração do outro? Ser um turista afetivo ou um parceiro na vida? Ser vizinho de porta ou dormir no mesmo quarto?

Cada pessoa tem sua história, traumas, defeitos, manias, crenças, desejos, expectativas que, dependendo da intimidade permitida, em algum momento serão reconhecidos como pontos turísticos ou caminhos interessantes a se percorrer. Pessoas, como cidades, tem rachaduras internas que podem surpreender a qualquer momento. O desafio dos relacionamentos é aprender a conviver nessa cidade estranha que é o parceiro, adaptando-se, resolvendo os entraves, construindo novos alicerces até obter a cidadania e finalmente sentir-se em casa.

É um projeto demorado, pode levar vinte, trinta, quarenta anos, uma vida inteira, mas a recompensa é conhecer cada rua, cada cantinho, cada restaurante, cada garçom, cada prato típico, cada mendigo. E a graça maior é que em determinado momento passa-se a sentir que já não importa tanto o restaurante que você está jantando e sim quem está sentado a seu lado, não faz mais diferença a cidade ou país que você está, o principal é quem está morando lá com você. 

O deleite de sentir-se em casa no coração do outro é uma viagem de descobertas sem volta que não se compra e ninguém pode fazer por você, conquista-se dia após dia. Uma benção que tem preço e nem todos estão dispostos a pagar: cidades são como pessoas, não se pode viver em duas ao mesmo tempo.

*Dr. Ildo Meyer

Médico. Escritor. Palestrante. Mágico. Filósofo Clínico. Em 2019 o conselho e a direção da Casa da Filosofia Clínica lhe concederam o título de “Doutor Honoris Causa”.

Porto Alegre/RS

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