Um verdadeiro leitor de livros
percebe elementos, referências, nuances que passam completamente despercebidos
pelo leitor comum - ainda que esse leitor comum tenha nível superior, mestrado,
doutorado.
A quem busca participar da
cultura universal, as palavras, num texto literário, são encruzilhadas:
conduzem a diversos campos de significado que adicionam novas camadas à
leitura.
Um exemplo: quando um bom poeta
ou romancista faz referência ao "jardim", à "jardinagem",
evidentemente faz uso de um símbolo literário e filosófico com uma longa
história.
O leitor atento logo compreende
que esse jardim é o mesmo jardim de Atenas onde Aristóteles criou o seu Liceu,
ou onde Epicuro, na mesma cidade, estabeleceu o seu hospital do espírito; são
os jardins floridos de Virgílio; é o jardim de Voltaire no "Candide"
e na carta a Pierre-Joseph de Boisjermain; são os jardins das confissões
botânicas de Rousseau; é ainda o jardim em que Lizzy transforma seu julgamento
sobre Mr. Darcy no "Pride and Prejudice", e também o jardim que Hans
Castorp freqüentava em sua visita de sete anos ao sanatório de Berghof.
Isto é: o jardim, numa obra
literária, nunca é somente o jardim da memória do leitor; a imagem do jardim
evoca uma pluralidade de jardins - cada jardim com uma atmosfera particular,
cada jardim com um sentido próprio. Porém, somente percebe isso quem já os
visitou nas páginas dos livros.
* * *
A grande literatura é grande
justamente porque a sua leitura é infinita: quanto maior é o nosso horizonte
cultural, mais riqueza encontramos nos livros - porque, com efeito, podemos
melhor interpretá-los.
E quem é capaz de interpretar
melhor um texto é capaz de interpretar melhor o mundo.
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Mestre e Doutor em
Filosofia. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do
conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor
Honoris Causa”.
Teresópolis/RJ
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