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Portas Abertas*

Recebi algumas críticas sobre meu último artigo “Ainda estamos juntos”. Falavam que sempre deixo uma mensagem no ar, um espaço para interpretações, e, neste caso específico, a frase final “quando existe amor, as portas nunca fecham”, seria um recado velado, ou, até mesmo, super direto para alguma pessoa em especial. Aceito todas as críticas com muito respeito, mas preciso esclarecer que quando escrevo, minha intenção nunca é fechar a questão ou as portas. Quero provocar o leitor a pensar, discordar, ir além do texto. A graça de ser escritor é poder conduzir a imaginação do leitor, e, quanto mais longe eu conseguir levá-lo, melhor. Se o texto for um recado, uma teoria, uma história, não faz a menor diferença, o objetivo do escritor é criar, na medida de suas possibilidades, meios de comunicação entre as ilhas de seu arquipélago, construindo pontes, fornecendo embarcações, ensinando a nadar. Aproveitando o assunto “portas”, gostaria de contar a história de duas namoradas do passado

QI, Educação e Literatura*

  O QI médio em praticamente todos os países do mundo cresceu muito nos últimos 100 anos. Na Alemanha e nos EUA, o crescimento do QI médio foi de mais de 30 pontos. No Quênia e na Argentina, foi de cerca de 25 pontos. Na Estônia e no Sudão, foi cerca de 12 pontos. Fonte: https://ourworldindata.org/…/change-in-average-fullscale-iq… No Brasil aconteceu justamente o contrário. A queda do QI foi de quase 10 pontos nos últimos 100 anos. Talvez esse emburrecimento generalizado seja único na história da humanidade. O nosso QI médio é de 87, o que nos coloca, na média, no limite da deficiência intelectual. * * * Esse fenômeno bizarro tem tudo a ver com o nosso modelo de (des)educação escolar. Nada a ver com Paulo Freire, amigos. A coisa vem de muito antes. Em 1915, Lima Barreto revelava a cultura das aparências no Brasil: ao saber que Policarpo Quaresma tinha uma biblioteca, o doutor Segadas pergunta para que tantos livros, se não era nem formado. Não ocorre ao doutor que Policarpo t

Objetividade parcial*

Não é raro ouvirmos dizer sobre ver algo de cima ou de fora. Como se o melhor procedimento para enxergar determinada situação, evento ou experiência seria a partir de um distanciamento. Uma pretensão de objetividade ou imparcialidade. Mudar a perspectiva, seja ela qual for, pode viabilizar um outro olhar. Talvez isso soe consensualmente. Mas, não garante a neutralidade do olhar de quem observa. Quem nos deixa cientes disso são filósofos como: Dilthey, Heidegger, Gadamer e outros ao mostrar o quanto nossa existência é inserida em uma história. Nossos horizontes são viabilizados por elementos culturais, históricos, pelas experiências pessoais. Desse modo, é inevitável um olhar carregado por uma “bagagem existencial”. A pretensão de objetividade cessa na escolha do que é observado. Pois este foi selecionado com parcialidade, vontade, interesse etc. Talvez o caminho para uma investigação honesta seja a aceitação da ausência de qualquer ponto de vista absolutamente neutro. Reconhece

Primavera Irracional*

“Eu fechei os olhos para lembrar com todos os meus votos a verdadeira noite, a noite liberta da sua máscara de horrores, ela, a suprema reguladora e consoladora...”                                                                     André Breton   Equinócio que esconde a verdadeira face do mal, os homens não descansam. Nunca descansam. A humanidade vive para atravessar todas as adversidades, alguns destroem a vida, queimam as ideias e deixam a Terra arder. No hemisfério dos sonhos, a vida é salva pela natureza, os homens são excluídos pela ganância, que só existe no cérebro dos que dizem ser racionais. Nada separa o que está em pleno movimento de viver da finitude. Existem os que creem no domínio das questões espirituais pelo simples fato de não conseguir compreender a própria vida, o que tem nome, o que é nomeado. A saída é se deixar levar pelos momentos meditativos. Nenhuma contrariedade à meditação, todo ato de pensar é um convite, mesmo para os que só sabem buscar o intangíve

Era uma vez...*

“Às vezes, eu acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã” (Alice no País das Maravilhas, Tim Burton, 2010)   As singularidades adentram os espaços terapêuticos das mais improváveis formas. Alguns chegam indecisos sobre o porquê de estarem ali, afinal nem sempre existe obviedade; outros talvez não saibam que seja uma porta para descobertas tão incômodas quanto difíceis. Existe a probabilidade de que um turbilhão os perpasse, podendo arremessá-los até a mais insana possibilidade de ser. Na verdade, percorrer caminhos de encontros pode ser tão inusitado quanto permanecer inerte no estado catatônico em que a normalidade desavisada costuma nos mergulhar. Cada um tem sua estrada, suas histórias na bagagem, que muitas vezes arrastam melancólicos ou sem vontade, desgostosos do que mais desejam. Na verdade, as histórias se misturam em potes, cujo fundo nem sempre é visível. Falas entrecortadas de peculiaridades trazem à tona que um dia fui assim... há muito tempo não sei m

Inconsciente*

Em livro de sua tese de doutorado, Denise Maria de Oliveira Lima, Diálogo entre a Sociologia e a Psicanálise: o indivíduo e o sujeito, no capítulo 2 Sociologia e Psicanálise, ela escreve que a psicanálise representou segundo Freud – no texto Uma dificuldade da psicanálise – a terceira ferida narcísica da humanidade, sendo as outras duas uma provocada por Copérnico ao descobrir que a Terra não era o centro do universo e a outra por Darwin ao dizer que o homem/ser humano procede da escala zoológica e não de Deus. A psicanálise, com sua terceira ferida narcísica, derrubava a razão e a consciência do lugar inabalável em que se encontravam, ao fazer da consciência um mero efeito de superfície do inconsciente. A consciência, então, não é lugar da verdade, mas da mentira, do ocultamento, da ilusão, da distorção. […] A determinação do inconsciente quer dizer o seguinte: longe de sermos senhores do nosso pensamento, somos habitados por outro que pensa em e por nós. Nossas escolhas também são

A Palavra Mágica*

"Vive a tua hora como se gravasses o teu nome na epiderme de um tronco novo. Mas não voltes mais tarde para junto dessa árvore, porque podes não reconhecer o teu nome nas cicatrizes das velhas letras"                                                                                Fellipe D’Oliveira      Sua tez de singularidade maldita refere uma simbologia em viés de encantamento. Na veemência discursiva compartilha uma fatia generosa de paraíso. O sagrado-profano esboça uma íntima convivência com a reciprocidade. Os significados apreciam aliar-se aos papéis existenciais de travessia. Assim o feitiço da palavra como medicamento desenvolve as estruturas mutantes envolvidas na interseção. Ao sugerir a cidade das maravilhas, é possível um novo entendimento e relação com o universo interior. Sua fonte de inspiração, muitas vezes, faz-se menção em dialetos de esquiva. A magia, um pouco antes de ser representação traduzível, aprecia transbordar nalguma forma de excesso.   

Sobre o amor*

Quem poderá explicar a sua origem? Filósofos, teólogos, psicólogos e curiosos tentam dar uma razão ao sentido dele existir. Poetas da alma procuram respostas. Alguns dizem que ele vem sem esperar. Outros que ele nasce aos poucos. Uns dizem que ele surge de um lindo olhar. Outros que falam que o conheceram através de um sorriso. Buscar razões para a sua existência talvez seja percorrer uma estrada sem fim. Onde cada curva revela-nos os mais belos horizontes ainda não conhecidos. Ele é assim: uma surpresa a cada novo momento. Semelhante as flores que desabrocham e exalam o seu mais suave perfume. Mario Quintana sabia que se morresse deste mal ainda continuaria vivendo: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo” O amor é como uma noite de estrelas iluminando a infinitude de nossa alma. Compreende-lo é romper com o mistério que o torna único. Suas razões são tão variadas como as flores de um jardim. Porém de uma coisa sabemos: é preciso cultivá-lo. Amor que não é cultivado é como uma

Quase certezas*

Desde que me lembro por gente, tentei fazer as coisas para agradar aos outros, queria que todos gostassem de mim. Cumpria aquilo que a cultura pregava como certo. Naquela época, a maneira digna e decente de se viver incluía obediência, perfeição, honestidade, estudo, trabalho, sucesso. Precisava provar para a família e a sociedade o meu valor, então segui todas as regras ao pé da letra. Nunca perdi o ano na escola, obedeci e respeitei meus pais e professores, fiz faculdade de Medicina, arranjei um emprego, casei no cartório e sinagoga, tive um filho. Sabe aquela propaganda de margarina com a família perfeita? Era mais ou menos assim, só faltou o cachorro correndo pelo jardim. O tempo passou voando, como se minha vida estivesse rodando por uma esteira rolante acelerada. Nem todas minhas escolhas foram minhas. Eu era ator de um roteiro planejado para mim e nem me dava conta. Mesmo assim eu gostava e me sentia bem. Recebia aplausos em todos os palcos. Não sei precisar quando nem com

Revista da Casa da Filosofia Clínica Primavera 2023 - Ed. 06

  Revista da Casa da Filosofia Clínica Primavera 2023 CLIQUE PARA LER A edição de primavera trata-se de um registro histórico das poéticas da singularidade, uma contribuição para entender e transitar pela trama conceitual do novo paradigma, sem perder de vista o viés da crítica. Desejamos boas leituras no aconchego de onde você estiver. CLIQUE PARA LER

Literatura – na Vida e na Clínica*

Relação continuada que sobrevoa ideias complexas e aterrissa em sensações, a nossa e a dos livros. Quem já não capturou ou se deixou capturar pelas emoções, até dos jargões neles contidos. Galeano, no enfrentar silêncios para recuperar o não dito, é danado. Ele nos faz reverberar em outro plano, flexibiliza o fadado. Momento do devaneio poético, diria Bachelard. De tanto concentrar para ordenar imagens - como plantas, necessitam de terra e de céu - o imagético enlaça o simbólico e encontra novos imaginários. Jung, Campbell... O escarcéu. Utopia... Por intermédio dos livros exercitamos maneira nata, em seus mais diversos gêneros, de enxergar a nós mesmos e até manejar circunstância que mata. Distopia... As pessoas no Pessoa acordam outras em nós. Qual a sintonia... Termos agendados no intelecto partejando ideias... Ressignifica e marca autogenia. Navegar Camões nos arrebata. Ora pela tormenta que clama por sonhos. Ora pela calmaria que suspende a vida que a nós se ata. Clari

Qual a função do filósofo? *

Entendo que seja a de tornar acessível, por meio da linguagem, uma ordem das coisas - isto é: revelar uma região ontológica. * * * Boa parte do que fazem os professores universitários de filosofia - e é assim em todo o mundo, mas muito especialmente no Brasil - é, essencialmente, comentário sobre a obra de um filósofo. De fato, o comentarismo filosófico é um exercício muito útil, e mesmo necessário. Contudo, comentar a obra de um filósofo não é filosofar. A filosofia é outra coisa. * * * Afinal, os textos de um filósofo podem dar acesso à filosofia, mas a filosofia não está nesses textos. * * * A filosofia é uma atividade integral do homem. Ela mobiliza o ser inteiro. Não está nos livros dos filósofos. Não está em livro nenhum. Os livros, em si, não são filosóficos: eles são papel e tinta. Quando alguém os lê e entende, acessa uma região anteriormente ignorada da realidade – mas não compreende "a" filosofia. Ela não diz respeito a um conjunto de textos: ela diz re

Um olhar para a singularidade*

  Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas. Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobr

Linguagem e Singularidade*

  A noção de linguagem que Wittgenstein apresenta nas suas Investigações Filosóficas, cuja concepção é a de que o significado das palavras depende de seu uso na linguagem, em Filosofia Clínica se traduz como um dos princípios dos cuidados de que deve ter o filósofo clínico na sua atividade clínica, nas acolhidas existenciais a que se dispõe, e que, adversamente às técnicas tradicionais da psiquiatria ou das psicologias tradicionais - que não fazem senão hermenêutica sobre o discurso ou expressividade do indivíduo – permitirá guardar o sentido mais original da palavra no contexto discursivo do sujeito, ou seja, respeitando ou limitando-se a entendê-lo a partir e à medida de um sujeito em seu território. Sendo um projeto único, permite-se acessar todo um vocabulário, recheado de significados singulares para cada expressão de sua semiose. Aquilo a que chamou “jogos de linguagem” refere-se, segundo o próprio Wittgenstein, aos vários usos das palavras e ao conjunto das atividades com as q

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