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De quantas mortes você já ressuscitou?*

A condição para mostrar a vida tal qual se apresenta, inclui a possibilidade de se reescrever, além do primeiro olhar, as páginas do velho diário. Um desses refúgios por onde se insinuam conteúdos desatualizados, também eles compondo essa realidade se reapresentando em múltiplas expressões. Seus apontamentos convidam a emancipar as contradições entre o que se diz e o que se faz.

O convívio com esses desdobramentos existenciais auxilia a elucidar a representação por trás dos percursos da singularidade. Sua releitura descobre espaços, até então, desconsiderados. Muitas vezes, na inquietude de uma voz silenciada, se encontra algo mais, propício aos novos tempos.

Sua redação está contida na palavra vivenciada, traduzindo fenômenos que estavam ali, como benção, estorvo, desassossego. Esses manuscritos da estrutura de pensamento instituem, na equivocidade dos paradoxos, a vida até então fora de foco. A interseção do sujeito com seus relatos pode ampliar o que já existia como promessa ou desconstrução. Nos antigos manuscritos, se pode acessar a distância percorrida e o que está por vir.

Tudo aquilo que se vê, ouve, sente, nesse mergulho da reciprocidade, acrescenta algo até então, desconhecido. O pensador de raridades estabelece uma conversação com esses territórios, até então desconsiderados. Lembrando de que a concepção de si mesmo sendo outro pode ocupar boa parte do caminho.   

Ao se alterar o uso dos termos comuns, o rumo dos acontecimentos também se desloca. Na ausência de uma abordagem emancipadora, as ondas desse mar se sucedem em busca de uma terra que, de tão próxima, se distancia. Nesse sentido, um capítulo dessa história, por si só, pode conter indícios sobre o restante da obra. 

As dialéticas do movimento estabelecem a contradição da palavra escrita com a palavra vivida, bem assim, um saber aprendiz para transgredir seus muros. A crônica dessas vivências se escreve vivendo, seus episódios com aspecto de coisa nenhuma, lhe permitem deslocar-se livremente. Ao percorrer os múltiplos endereços existenciais, com a alternância dos cenários, é possível decifrar seu desenvolvimento discursivo. 

Sua tez de absurdidade é aliada para superar os limites da ultima palavra. Na convivência com as dores do parto é possível compreender a natureza e o alcance dessas metamorfoses, as quais, após o caos precursor, estruturam renascimentos, parindo outro si mesmo. A essência do visar incomum aprecia o convívio com os dialetos da vida extraordinária. Se assim não fosse, permaneceria irreconhecível, a espera de algum diagnóstico.

Os discursos existenciais pluralizam o espetáculo do mundo. Tendo como referência uma retórica protagonista, reescrevem sua história, vivenciando a parcela de infinito que lhes cabe por inteiro. Um sujeito, ao dialogar com sua condição existindo, compartilha seu selo de originalidade, apresenta a fonte de inspiração de onde partiu. Ao se reconhecer como autor da própria história, integra a estética das ruas com o sabor dos seus devaneios.

*Hélio Strassburger

Filósofo Clínico e Professor. Autor de "Poéticas da Singularidade". Ed. E_Papers/RJ. 2007; "Diálogos com a lógica dos excessos". Ed. E-Papers/RJ. 2009; "Pérolas Imperfeitas - Apontamentos sobre as lógicas do improvável". Ed. Sulina/Porto Alegre. 2012, dentre outras.   

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