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Anotações e Reflexões de um Filósofo Clínico*

 

O que significa dizer que o filósofo clínico é um aprendiz?

Embora seja apresentado em cursos que variam entre 18 e 24 meses, o conteúdo da filosofia clínica preencheria tranquilamente uma formação de quatro anos com a carga horária de uma graduação. Ainda assim, continuaria sendo um curso com conteúdos introdutórios. Um filósofo clínico aprende a teoria, realiza a formação da prática, mas precisará continuar seus estudos teóricos e práticos por toda a vida. A alma humana não se esgota em uma formação. O certificado que habilita à clínica é uma autorização e não a comprovação de que não há nada mais a ser aprendido. A filosofia clínica é um aprendizado para a vida toda. Hoje, dez anos depois de ter iniciado minha formação, me vejo tão iniciante quanto meus alunos que estão há alguns meses na formação. Meus professores são os filósofos clínicos com os quais converso, os artigos e livros que leio, os áudios e vídeos que acompanho, e os partilhantes que atendo semanalmente. Ser filósofo clínico é permanecer aprendiz, é se ver como iniciante, é saber que não sabe tudo, é cultivar o espanto e a admiração ante o novo que diariamente se apresenta no relato da vida de cada partilhante. 

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O privilégio de um espaço terapêutico

O espaço terapêutico pode ser um âmbito privilegiado de construções compartilhadas. Nele, filósofo clínico e partilhante ensaiam hipóteses de outras vias. Onde antes parecia haver uma bifurcação, um dilema entre duas vias igualmente ruins, podem surgir outras direções antes impensadas. Na história de vida relatada pelo partilhante, podem emergir indícios de caminhos abertos, mas não trilhados. Vendo isso, o filósofo tem a possibilidade de construir a clínica por essas vias. A singularidade dos casos não nos permite dizer quais são essas vias e para onde elas levarão a pessoa. Mas, há chances consistentes de lograr êxito quando tais caminhos estão de acordo com as direções para as quais a pessoa se dirige existencialmente. 

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A filosofia clínica é uma das respostas?

Desde os anos de 1980 (alguns estudos apontam movimentos em décadas anteriores), estudiosos ao redor do mundo começaram a pensar a aplicação da filosofia em atendimentos de consultório. A filosofia clínica é uma dessas propostas. Além disso, ela é genuinamente brasileira, com fundamento e método próprio. Assim como alguns outros sistematizadores de terapias, Lúcio Packter veio da medicina; mas, como estudioso das psicologias, da neurologia, da psiquiatria e, sobretudo, da filosofia, foi além das compreensões fisiológicas do ser humano. Os estudos realizados por Packter o levaram a constituir o método da clínica filosófica. Trata-se de um método que nos leva a considerar a singularidade em suas consequências mais radicais: cada pessoa é única, assim como seu contexto, sua história, sua estrutura e seu modo de viver.

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo 

Filósofo. Filósofo Clínico. Escritor. Professor titular em Porto Alegre/RS e Chapecó/SC. Além do doutoramento acadêmico, possui o doutoramento “Honoris Causa”, concedido pelo Conselho da Casa da Filosofia Clínica em 2019.  

Teresópolis/RJ

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