É comum não se dar conta dalgum refúgio amistoso, um lugar agradável para se viver. Em muitos casos só bem depois de ter partido é que se consegue algum vislumbre sobre a arqueologia dos escombros.
O esboço sobre as
recorrências do acaso tenta perseguir aquilo que ficou pelo caminho. Até parece
querer traduzir rascunhos sobre as recordações da noite.
A aventura criativa da
página vazia aponta buscas pelo inusitado aprendiz. A lógica das vontades
interditadas não reconhece a luz do dia como única verdade. Os devaneios e as
paixões, no entanto, não querem subverter o conforto da vida como ela é. Propõe
deixar tudo como está e ser contraponto aos discursos apreciáveis.
O ir e vir por essas
poéticas do silêncio revela um andarilho dos contornos. Quase indizível a se
oferecer num rumo indefinido. Interação com fenômenos nem sempre traduzíveis
pela palavra conhecida. Nesse contato sutil da idéia com a realidade lá fora,
muita coisa se refugia noutras possibilidades. Muitas delas tão próximas da
alma de brisa leve.
Como intenção proscrita a
nomenclatura oficial, as expressividades afins refazem o mundo a margem das
ditaduras de sentido único.
Na representação de Eric
Landowski: “Visitante por princípio respeitador dos equilíbrios que fundam a
especificidade de um lugar ou de um meio estrangeiros, ele rejeita a idéia de
os perturbar por sua presença ou sua ação. As paisagens que ele admira, tal
como os espaços sociais, secretam cada um, ele o sabe, sua temporalidade
própria para quem os sabe ‘ler’.” (Landowski, 2002).
Aqui se trata de uma
fantasia muito próxima dos fatos que a alimentam. Os projetos fracassados oferecem colagens noutras perspectivas. Apreciam fazer referência ao coringa
invisível a se colocar no lugar qualquer de quase tudo.
Os feitos de causa
perdida possuem rosto e singularidade, sua contradição essencial prossegue a rascunhar inéditos, apesar dos pátios fechados onde foram se desenvolvendo.
Elaboram um enredo imprevisível a perseguir a vida que o inspira.
Num contexto repleto de
cópias, não é incomum esse abrigo de originalidades surgir como in-sano. Algo
para ser tratado e reconvertido ao mundo dos outros. Seus indícios e sinais
costumam ser despercebidos pelo olhar bem educado, acostumado a enxergar velhos
muros como intransponíveis, querer explicar os sonhos ao invés de vivenciá-los.
Sem falar no princípio da autoridade hermenêutica, a fazer referência nas
preliminares sobre a melhor versão daquilo por vir.
Para a poética de André
Comte-Sponville é assim: “(...) porque o real excede em toda parte o pouco dele
que podemos pensar! Mais uma razão para não nos contentarmos com pensar e para
aprender a ver, isto é, a se entregar, silenciosamente, à inesgotável
simplicidade do devir.” (Sponville, 2000).
É possível vislumbrar
esse vocabulário nas entrelinhas e à espera de algum flagrante. Ele aprecia se
mostrar onde menos se espera. Possui ângulos incríveis para insinuar
coincidências. Seu jeito de querer ser também se oferece na indecisão do instante fugaz.
Nem sempre se pode
descrever o viés ainda sem palavra. O socorro da esteticidade talvez possa
realizar conversações de ontem com amanhã, sem desmerecer a eternidade agora.
Todavia o existir relacionado ao movimento introspectivo, se orienta no vaivém
das suas contradições, onde um alimenta o outro em busca de um lugar ao sol.
Mesmo quando o nunca
visto se mostre esquisito, é possível elaborar aproximações, diálogos,
tratativas. Não permitir um movimento de repúdio por não ter um sentido
palpável sob as mãos.
Compartilhar exercícios
de tolerância e aprendizado com as realidades delirantes pode, inclusive,
garantir algum lugar para o normal de hoje, quando os ventos mudarem a
geografia das verdades.
*Hélio Strassburger in “Pérolas
Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável”. Ed. Sulina.
Porto Alegre/RS.
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