Notas sobre a brevidade das reflexões
Algo presente em minhas
reflexões, sobretudo as relacionadas ao meu trabalho como terapeuta, são as
proposições apresentadas como possibilidades. O consultório e a formação em
filosofia clínica me levaram a considerar as singularidades. Ou seja, se considero
a pessoa por si, não a comparo a ninguém, não faço estatísticas, não crio
parâmetros normativos, não faço filtros do que há em comum nas pessoas.
Considero a complexa
individualidade de cada pessoa. Isso me inviabiliza generalizações. As
universalizações são possíveis em teses filosóficas, sociológicas, teológicas
etc. mas tropeçam quando se deparam com as exceções. E o consultório é o espaço
onde a exceção é a regra (o paradoxo também é comum no consultório).
Quando afirmo algo nessas
reflexões, cabe destacar a brevidade das palavras impedindo as nuances, os
desdobramentos, os aprofundamentos e uma série de respostas necessárias às
objeções. É o risco de se expor em considerações breves. Mas, a possível
equivocidade gerada pelas sínteses expostas é o preço pago por divulgar uma
área tão profunda, complexa e nova no universo das terapias.
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Somos Forrest Gump?
Quando vemos o filme: Forrest Gump, tendemos a nos colocar no lugar de quem viu o que
"realmente" aconteceu e a narrativa do personagem principal, que dá
nome ao filme, como quem viu algo de modo limitado. É como se nós tivéssemos
uma visão privilegiada e, o outro, uma percepção limitada.
A noção de que acessamos
a "realidade" com "objetividade" pode trazer uma noção do
outro como quem tem uma visão limitada pela inteligência, sentimentos, pontos
cegos etc. No entanto, de certo modo, somos como o Forrest Gump.
Nossa percepção do mundo
é uma perspectiva. Tendemos a acreditar piamente no que nossos olhos e
lembranças nos dizem sobre um acontecimento ou experiência. E não estamos
errados. Pois é essa percepção ou visão de mundo que norteia nossa vida.
Por isso, no consultório,
não buscamos necessariamente o que aconteceu, mas como a pessoa vivenciou,
interpretou, significou etc. o ocorrido. Pois não é a objetividade que marca a
experiência que direciona a vida da pessoa, mas sua experiência da mesma.
Por mais incômodo que
possa ser uma perspectiva do acontecido, os dados históricos
"objetivos" têm muito pouco a dizer sobre a experiência singular que
dela fazemos. Por essa razão, o contraste de Forrest Gump em relação aos
acontecimentos são tão importantes.
Se fechamos os olhos e
apenas ouvimos o relato de Gump, temos a perspectiva do personagem em sua
experiência. Por mais que haja o anseio pela "objetividade", não é
ela a condutora do modo de vida do personagem. O trabalho terapêutico ocorre na
perspectiva da pessoa.
Ao mesmo tempo em que
percebemos uma história de vida editada e focalizada pela pessoa, entendemos a
estrutura interna que faz essa edição e foco. É nessa estrutura constitutiva da
pessoa e suas circunstâncias que o terapeuta trabalha.
O terapeuta é, em alguns
momentos, como a mãe de Forrest Gump que dizia de um jeito que ele conseguiria
entender. Trata-se de reconhecer o idioma existencial da pessoa e saber
auxiliá-la nesse processo.
Há uma ilusão de que
todos os expectadores do filme percebem a mesma coisa e o Gump não enxerga.
Cada um dos expectadores terá uma visão única do filme a partir de sua história
de vida e estrutura de pensamento. Assim como Forrest Gump, somos singulares e
assim existimos.
*Prof. Dr. Miguel Angelo
Caruzo
Filósofo. Professor. Escritor.
Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ
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