Pular para o conteúdo principal

Reflexões de um Filósofo Clínico*

 

Um pensamento mágico do homem moderno: a crença de que quando se deixa de chamar certas coisas de "deuses", deixa-se de crer em deuses.

O homem moderno tanto crê em divindades que nem percebe que crê: entende o objeto de sua crença como a própria realidade.

O mundo do homem é inescapavelmente mitológico. A ciência, a política, o esporte, os objetos técnicos: com todos eles o homem moderno tem uma relação religiosa, do mesmo modo que o homem de antes tinha uma relação com o seu Deus ou os seus deuses.

Renomeia-se o deus, mudam-se os rituais de culto - e o pensamento iluminista inteiro fantasia haver superado o mito em benefício da razão, sem perceber que a razão é, ela mesma, também um mito.

Talvez o grande equívoco do pensamento moderno seja a crença de que se um objeto é mitológico, então ele não existe.

Ora, ao contrário do que os modernos quase sempre acreditaram, a existência não é unívoca: "o ser se diz de vários modos", há modos e graus variados de existência.

Um ser mitológico (como um deus, o Estado, um time de futebol, a democracia, a economia, a justiça, a educação, a ciência) não é simplesmente não-existente por ser um mito: ele existe, mas a sua existência é diferente daquela de um peixe, de uma fogueira ou de um soco.

Os modernos, com a sua metafísica pueril, acreditaram poder substituir o pensamento mítico pelo pensamento racional - e não perceberam que: em primeiro lugar, simplesmente renomearam antigos mitos; em segundo lugar, criaram um novo panteão, não menos mitológico.

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche

Filósofo. Professor Escritor. Musicista. Filósofo Clínico.

Teresópolis/RJ

Comentários

Visitas