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Leituras clínicas*

 

“O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”

                                                                             Hélio Strassburger                                   


O trecho citado está na obra “A palavra fora de si” do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo.

Durante esses 4 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limites de filósofa clínica aprendiz, isso não nos impede de fazer boas construções compartilhadas. Aliás, com algumas delas compartilho a busca pelo aperfeiçoamento de si, com outras compartilho as dores de repressões sociais, negligencias, confusões em que nos colocamos, bem como o insurgir-se diante disso, afirmando-se a partir da singularidade, essa coisa sagrada da natureza de cada uma.

Com algumas compartilho a paixão pelas artes, a estética da vida, o poder de transformação. E tem sido incrível, no sentido de fantástico mesmo, acompanhar as autogenias que se desdobram, esses fenômenos que se ensaiam no momento clínico. Interessante observar que algumas vezes os ensaios proferidos nesses instantes, ressoam tal qual foram proferidos, outras vezes, o que aparece é inédito e aí, como nos ensina o professor Hélio, é fundamental proteger esses inéditos.

Mas como a filósofa clínica protege os inéditos de cada uma? Deixando ser, dando passagem. “Phanta rei” – diziam Heráclito e seus seguidores – “Tudo flui”. E ainda, deixando aparecer aquilo que está encoberto e que se des-cobre, se revela. Da mesma forma como antigamente revelávamos as fotografias. O filme da vida da partilhante está ali, dentro do “negativo”, pouco a pouco revelado, inicialmente, para ela mesma. Essa que pega nas mãos a imagem de si, revelada e faz com ela o que quiser, mostra, esconde (guarda), dos outros, de si mesma...há nisso tudo, movimentação, fluxo, devir. Em suma, há vida acontecendo!

Nesses momentos, a filósofa clínica pode ser um ponto de apoio, até que a partilhante reestruture seu edifício existencial e não necessite mais desse ponto como apoio. A partir daí, talvez ocorra uma expansão do seu ser em direção ao mundo, caso isso lhe seja importante, já que, para algumas pessoas a expansão de si para si mesmas já é suficiente para reencaixes, manutenções ou mudanças em direção ao bem-estar...

*Dionéia Gaiardo

Filósofa Clínica

Vale dos Sinos/RS

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