Pode ser incômoda a ideia da
singularidade proposta pela filosofia clínica. Mesmo entre filósofos clínicos e
estudantes há a possibilidade de uma inclinação para generalizar algum
comportamento a ser adotado ou um idealizar um fim a se alcançar para a obtenção
do bem-estar subjetivo. Reconhecer cada pessoa como única, requer a aceitação
de que para cada uma delas as orientações de vida são irrepetíveis e a fonte
onde se encontra os parâmetros é a própria pessoa atendida.
Os filósofos clínicos levam suas
vidas com suas verdades, emoções, princípios etc. Porém, quando está diante de
um partilhante, seus juízos sobre como viver, seus valores, como vê o mundo
etc. devem ficar suspensos. Um processo no qual o terapeuta busca compreender a
pessoa a quem atende com um mínimo de mácula de suas próprias verdades.
Lembre-se de que não há uma
negação de um referencial objetivo. As diferenças provém da experiência de cada
pessoa em relação aos elementos internos e externos. Não há um só modo de
lidar, por exemplo, com emoções como a raiva ou o amor. Há infindáveis modos de
aprender algo como tocar um instrumento musical, embora as partituras e as
notas musicais sejam matematicamente precisas. Pode-se também considerar
singulares interpretações de como viver determinados princípios de fé, ainda
que a letra exposta seja a mesma.
Essa abertura à singularidade é
um princípio metodológico, um orientador de postura compreensiva diante de seu
partilhante. Supondo que a experiência de um filósofo clínico pudesse mostrar
casos com 99,9% de semelhanças, caso generalizasse esses casos – a
identificação e os modos de lidar com eles – correria o risco justamente de
perder aquela particularidade contida em 0,1%. O interessante é que quanto mais
aberto ao inédito do consultório, mais atento ao fato de que todos os
partilhantes se encontrem nesses supostos 0,1%.
É cômodo encontrar os padrões. A
busca pela singularidade soa bastante artificial. Encontrar causas, efeitos,
diagnósticos, prognósticos e tratamentos baseados em estatísticas não cabe à
filosofia clínica. Manter-se atento às singularidades não é fácil para muitas
pessoas. Para alguns, pode ser um exercício cotidiano. Mas, os resultados, dado
o fato de serem inéditos, costumam ser surpreendentes.
*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo
Clínico. Autor da obra: “Introdução à Filosofia Clínica”. Editora Vozes/Petrópolis/RJ.
2021.
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