Ontem pediram-me que indicasse
livros para ajudar professores a ensinar melhor.
Não pude fazer essa indicação. Na
verdade, sugeri o caminho contrário: em vez de um livro para que se ensine bem,
propus que se vá a cada aluno.
* * *
O segredo do ensino não está num
livro: está na própria relação entre o professor e o estudante.
Cada estudante é diferente: tem
uma história de vida única, dispõe de seus afetos de modo particular, aprende
da sua própria maneira.
Por isso, cada relação
professor-estudante é singular. O bom professor é aquele que utiliza a sua
sensibilidade, a sua experiência e o seu conhecimento para estabelecer uma
aliança de confiança com cada aluno - para que cada um deles mostre-lhe o que
melhor funciona consigo.
Isto é: antes de ensinar a
matéria, o bom professor investe seu tempo e sua atenção para aprender como
funciona o processo cognitivo de cada criança sob seus cuidados.
* * *
Cada pessoa aprende de sua
própria maneira; a técnica didática que funciona bem com um estudante pode
provocar o bloqueio no outro.
Por isso, a prática corrente de
despejar a matéria a todos os estudantes do mesmo modo, como se o processo
privilegiado pelo professor fosse o único - ou o melhor - possível, é uma
violência: privilegia uns em detrimento de outros, sob o argumento da igualdade
de acesso ao conteúdo.
Ora, a imposição da igualdade a
pessoas desiguais nada mais é que a imposição da desigualdade.
É esta a razão pela qual livros
que propõem métodos gerais de ensino são, na verdade, anti-educacionais: ao
uniformizarem a técnica didática, concorrem para a marginalização acadêmica de
todos aqueles que aprendem melhor de outras maneiras.
* * *
"Ah professor Bertoche, mas
é possível pôr isso em prática com uma turma de trinta ou quarenta
alunos?"
Não, amigos, não é possível. Não há como conhecer bem trinta ou quarenta crianças em uma sala de aula, e não há tempo para ensinar a matéria a cada um de acordo com o seu processo cognitivo singular. Turmas de trinta ou quarenta alunos são sempre - sempre! - depósitos de crianças, tanto na escola pública quanto na escola privada; são um crime contra a infância, contra a Educação, contra a nossa civilização, e deveriam ser terminantemente proibidas em nosso país.
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Machado de Assis desnuda e ridiculariza o brasileiro - o do século XIX, o do século XX, o do século XXI.
O conto "Teoria do
Medalhão", por exemplo, vale por um tratado de psicologia nacional: no
Brasil quase todos - assalariados, comerciantes, profissionais liberais,
políticos, magistrados, professores, perfilados à esquerda e à direita -
seguimos à risca as lições do pai de Janjão.
Isto é: em lugar da coragem para
conhecer cultivamos a covardia diante do pensamento livre. Em lugar das
dificuldades da análise crítica preferimos a facilidade dos slogans e das
frases feitas. Em lugar da perigosa independência intelectual escolhemos a
prudente repetição das idéias correntes entre os nossos pares.
É nessa atmosfera que tornamo-nos
quem somos: o povo da figura bela, mas vazia; o povo de aspirantes a medalhões.
* * *
Escreveu Cioran: "Tudo é
aparência. Mas aparência de quê? Aparência do nada".
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Escritor. Musicista.
Mestre e Doutor em Filosofia. Professor na Universidade da Beira em Portugal. Filosofo Clínico. Em 2019 o Conselho da Casa da
Filosofia Clínica lhe concedeu o título de “Doutor Honoris Causa”. Livre Pensador.
Rio de Janeiro/RJ
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