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Anotações e percepções de um Filósofo Clínico*

A escrita não é mero meio de exposição de ideias. Para isso, o chatgpt e qualquer outra forma de inteligência artificial dá conta. Mas, escrever é o desdobrar do próprio pensamento, é o acontecer da reflexão. Tomemos a poesia e a filosofia. Um poeta não relata mera experiência comum a todos nós. Seu poema expressa sua experiência vivida na pele ou na imaginação.  

Um filósofo descreve seu esforço para tornar comunicável experiências densas e profundas do ser, do real. Nem sempre é fácil fazer ver aquilo que muitos olham e não enxergam. Tal é a razão da necessidade do esforço do leitor – algo recompensado ricamente com o posterior entendimento. 

Por exemplo, o leitor pode conhecer todas as teses de Platão lendo os manuais e comentadores. Mas, terá perdido os caminhos de condução do pensamento do fundador da Academia se não tiver lido sua obra. Enfim, o meu e o seu pensamento é mais do que a inteligência artificial é capaz de oferecer. Se ela pode substituir nossa reflexão talvez seja porque ainda não começamos a pensar... 

O ambiente acadêmico me deixou mais desconfiado dos profissionais de todas as áreas. O diploma habilita para algumas profissões. Mas não garante a qualidade do profissional.

Excelentes professores e cursos não garantem que os alunos serão profissionais de excelência. Em cursos ruins – em tempos de “uniesquinas” vendendo diplomas – isso piora, e muito.

Alguém que foi aprovado decorando o conteúdo na última hora, colando ou chutando não saberá o conteúdo quando for exercer seu trabalho. A idade também não garante nada. Na universidade, já corrigi trabalhos de alunos com o dobro da minha idade feitos de recortes mal feitos de blogues da internet. Resultado: profissionais medíocres, mal preparados e, muitas vezes, ignorantes de sua própria precariedade.

Quantos bacharéis e licenciados em filosofia que não fazem ideia do que distingue um texto filosófico de outro de autoajuda.

Quantos médicos repetindo o senso comum em seus procedimentos por desconhecimento das pesquisas mais recentes de sua área.

Quantos terapeutas (psicólogos, psicanalistas e até filósofos clínicos) lidando com seus clientes/pacientes/partilhantes como se tivessem aconselhando em boteco por falta de aprofundar nos estudos de sua própria metodologia.

Menciono os três exemplos porque pude acompanhar alguns casos bem de perto. Haveria alguns outros, mas acho que para elucidar estes são suficientes.

(...)

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo.

Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Escritor. Professor da Formação em Filosofia Clínica em Chapecó/SC, Porto Alegre/RS, dentre outras instituições e escolas. Autor da obra: “Introdução à Filosofia Clínica”, publicada pela coleção de Filosofia Clínica da Editora Vozes/RJ. Em 2019 o Conselho e a Direção da Casa da Filosofia Clínica lhe concederam o título de “Doutor Honoris Causa”, pelos relevantes serviços prestados a prática e a pesquisa no âmbito do novo paradigma terapêutico.  

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