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O hóspede do poeta*

“Se todo tempo é eternamente presente Todo tempo é irredimível.” T. S. Elliot   O início, a flor da vida, a lua estendida no final da rua, A infância, o clarão do dia que revela a vida dos olhos, Depois vem o nascer, do que vem o choro, Amor puro, a única coisa que preenche a memória nua.   O estar dentro no mundo das coisas esquecidas, E tudo brilha, o turbilhão que nasce, a noite que assusta, O dia muda, a noite que esquece o lamento do acordar, A noite que abriga a solidão, estrelas para se beijar, O chão para rastejar durante o dia é o que sobra.   Assim se passa à outra fase: esquecimento é mútuo, O corpo avança, o corpo descola o tudo, a infância dá adeus, Depois dorme, renasce no movimento da Terra, A morte não existe, o vitalismo esconde o medo, Solidão, a terapia da compreensão dos adeuses.   Um dia acordar ao lado de dentro do corpo, Que aquece, o que se fala, do que se sente, Tudo é um tocar nas paredes do desconhecido, Na dança

Anotações e Poéticas de um Filósofo Clínico*

A arte expõe, esclarece, ilumina e é por isso que todo poeta pode enxergar nuances, cores e formas até mesmo na mais profunda escuridão, presente em qualquer intimidade de submundos subjetivos que, por alguma razão, tocam-lhe na flor da sua pele escura e tão amiga do sol. E aí é, quando mais comove, fazendo com que uma expressão singular transborde da própria incontinência que torrencia e derruba todas as barreiras por amor.     Ser poeta é, definitivamente, um repente de poder ver na escuridão de qualquer submundo, onde a esperança e a graça tenham se ausentado pelo excesso de apego ou de egoísmo, quase sempre disfarçados por retóricas utilitaristas, capazes de iludir tão somente aqueles que jamais puderam aprender a lógica básica da vida, a história do seu povo e do seu lugar, que também é a sua própria história. Afinal, há poesia em tudo que pulsa, como a vida, assim como há poetas que cantam, que tocam instrumentos harmônicos ou melódicos, que pintam e bordam, que desenham e da

Objetividade parcial*

  Não é raro ouvirmos dizer sobre ver algo de cima ou de fora. Como se o melhor procedimento para enxergar determinada situação, evento ou experiência seria a partir de um distanciamento. Uma pretensão de objetividade ou imparcialidade.  Mudar a perspectiva, seja ela qual for, pode viabilizar um outro olhar. Talvez isso soe consensualmente. Mas, não garante a neutralidade do olhar de quem observa. Quem nos deixa cientes disso são filósofos como: Dilthey, Heidegger, Gadamer e outros ao mostrar o quanto nossa existência é inserida em uma história. Nossos horizontes são viabilizados por elementos culturais, históricos, pelas experiências pessoais. Desse modo, é inevitável um olhar carregado por uma “bagagem existencial”. A pretensão de objetividade cessa na escolha do que é observado. Pois este foi selecionado com parcialidade, vontade, interesse etc. Talvez o caminho para uma investigação honesta seja a aceitação da ausência de qualquer ponto de vista absolutamente neutro. Reconhec

El instante aprendiz*

Traducción:   Prof. Dra. Arantxa Serantes   Todas las cosas son de tal naturaleza que, mientras más abundante es la dosis de locura que concluyen, tanto mayor es el bien que proporcionan a los mortales.         Erasmo de Rotterdam        Al esbozar apuntes sobre una lógica de la locura, un envés del absurdo se desvela en astillas de múltiples caras. Frontera donde la normalidad se reconoce en sus paradojas. Una de las características de la expresividad delirante es ensimismarse en desacuerdo con el mundo alrededor. Crea dialectos de difícil acceso para proteger sus versiones de mayor intimidad. El papel de la Filosofía Clínica en la intersección con la crisis inmediata también es presentación indeterminada en un proceso caracterizado por la exageración de la manifestación del que comparte. Un no saber vehicula provisionales verdades en el compartir deconstructivo de las sesiones. Representaciones existenciales difusas se alternan en narrativas del tiempo de la persona. El len

O que é ser saudável ?****

Se existisse isso de ser saudável e talvez a pessoa dissesse sempre aquilo mesmo que pensa, trabalharia em algo que tem a ver com ela, teria amizades por afinidade, faria amor com quem ama.     Existisse mesmo a pessoa saudável e Deus estaria com ela, os pássaros viriam ter com ela nas janelas e as janelas se abririam para o mundo. As crianças teriam escola e cresceriam com esperança - que não seria mais uma utopia. Os velhos seriam então apenas velhos e os adolescentes teriam a descarga adequada para seus dez mil hormônios.   Haveria ainda solidão, tristeza, medo, ansiedade, é claro, e por que não ? Mas apenas às vezes, e seriam desejáveis porque ensinariam. A pessoa ficaria triste porque ocasionalmente isso é parte da vida, mas não estaria costumeiramente triste.   Existisse a pessoa de fato saudável e eu não precisaria escrever este artigo, não teríamos livros de auto-ajuda nem de hetero-ajuda, as escolas de psicologia virariam respeitáveis museus e os médicos tratariam de con

Gratidão e compromisso*

  Bom dia! Neste dia em que ultrapassamos a marca histórica de meio milhão de visitas ao nosso espaço artesanal de partilha, viemos agradecer a contribuição  de todos e todas nessa caminhada de sustentação, aperfeiçoamento e compromisso com a qualidade dos estudos, publicações, eventos em Filosofia Clínica; esse novo paradigma essencialmente brasileiro. Um abraço fraterno: Coordenação Geral, Conselho, Assessorias.  

As linguagens da terapia*

  “O ponto de vista partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                             Hélio Strassburger   O trecho citado está na obra “A palavra fora de si” do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo. Durante esses 4 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limites de filósofa clínica aprendiz, isso não n

Anotações de um Filósofo Clínico*

TRÊS LIVROS    Há algum tempo, um velho amigo de música (olá, Vagner Vieira!) me perguntou quais seriam os três livros mais importantes da minha vida. * * * Três livros. Os três livros mais importantes da minha vida. Que pedido difícil! Imagine ter que escolher as três músicas mais importantes da sua vida. Os três discos. As três viagens, as três paisagens. Nós sabemos: é impossível fazer essa escolha. Há muitas músicas, muitas viagens, muitas paisagens que estão entre os mais importantes. Pelo menos para mim, há muitos livros também. Nos dias seguintes ao pedido, refiz a lista tantas vezes que perdi a conta. Decidi que precisava estabelecer um critério: em primeiro lugar, definir o que significava “mais importantes”. Seriam os livros que mais me transformaram? Os que mais me abriram horizontes? Os que me trouxeram mais conhecimento? Os mais memoráveis? Os que mais releio? Os que mais prazer me dão? Sim, porque para cada uma dessas perguntas eu teria respostas diferentes. E que

A relação EU-TU em Gadamer - na relação terapêutica da Filosofia Clínica*

RESUMO : a relação hermenêutica entre eu e tu em Gadamer, em sua obra Verdade e Método coloca a ética como fundamento primeiro e último dessa relação. Com vistas a uma nova ordem mundial hermenêutica, através do diálogo, da escuta, do direito e da voz do outro, tanto para conflitos geopolíticos como para uma relação cotidiana entre pessoas, Gadamer determina alguns critérios para um diálogo de abertura onde as partes: eu e tu, têm responsabilidades éticas nessa dialética. Na apresentação dessa relação ética hermenêutica gadameriana, vamos deliberar que o lugar ou espaço dessa relação ideal que ele coloca, não é na política ou em outra área mais ampla, mas é possível dentro de uma outra relação, uma relação terapêutica, porém não a psicanálise, mas a filosofia clínica, por ela apresentar e defender veementemente a singularidade. KEYWORDS : Gadamer – hermenêutica – ética - filosofia clínica – dialética -singularidade. INTRODUÇÃO : Na obra Verdade e Método Gadamer fala na relação eu

Depoimentos compartilhados***

Na correria do dia a dia, quase todo mundo já tentou controlar o tempo e sentiu em algum momento que não estava cumprindo como gostaria todos os papéis existenciais, seja o de filha, mãe, executiva, líder e tantos outros que assumimos ao longo da vida. Tudo isso causa uma ansiedade em nós e a pandemia aguçou ainda mais esse sentimento, não é mesmo?   Em uma época da minha vida eu vivi isso, um atropelo existencial que refletiu forte em mim. Sei o quanto é frustrante esse sentimento de que você se dedicou tanto no trabalho, mas no fim do dia percebeu que só encheu esse pote e os demais papéis de sua vida ficaram meio vazios. O que me ajudou a centralizar e enxergar tudo para me organizar melhor foi a Filosofia Clínica. Para quem não sabe, a Filosofia Clínica tem uma abordagem terapêutica e usa os conhecimentos filosóficos na prática. Um dos princípios fundamentais dela é a singularidade, em que cada pessoa é única e tem sua EP (Estrutura de Pensamento). Esse método pode ser aplicado

Recortes do cotidiano*

  "O rosto do silêncio é o olhar que se percebe através dele. São muitas as mensagens à espera das representações de não-dizer. Natureza de difícil acesso em seus contornos mutantes. Costuma deixar pistas nos sussurros contidos por entre os espaços da intencionalidade. Lá onde o indizível se contém em enigmas de silenciar. (...) Lugar para relação da liberdade reflexiva com uma sublime aptidão criadora. Espaço para reorganização do mundo. Tempo de seguir os vôos e mergulhos com esses fenômenos de aparência desestruturada. Um vislumbre para a intuição de originalidades contidas entre o ser e o nada da condição humana. Contradição em curso na negação que os afirma. Aparente vazio onde a inspiração inscreve suas ideias e delírios em forma de traço. Onde o ser se objetiva além da palavra. Interseção das ausentes realidades com o silencioso abandono das horas. As expressividades do silêncio podem elaborar palavras de ordem para a invasão dos seus espaços internos. Momentos de autotra

O ângulo das perplexidades*

Um dia desses avistei uma crítica, daquelas que você fica pensando sobre a representação de onde partiu. A pessoa disse assim: “nome estranho esse: Filosofia Clínica, não me soa bem”. A partir daí, surgiram algumas  notas sobre esse lugar de onde se diz o que se diz, ainda quando se acredita saber o que se conhece.       O preceito socrático: “Só sei que nada sei”, oferece uma deixa aprendiz para conviver com a dialética das originalidades. Elas possuem uma fonte singular de rituais e dialetos, inacessíveis a um contato de superfície. Sua expressão costuma ter um sentido obtuso, a uma leitura distanciada de sua origem.       Um ponto de vista excepcional aprecia ser inesperado. Cabe ao sujeito se deslocar para ser protagonista com a desmedida de toda medida; mesmo assim, sua tez de caráter incompreendido, continua a desconstruir convicções. Uma descrição dessa natureza precursora, parece escolher a quem revelar sua ótica. Não bastam as medalhas, condecorações, títulos, para justifi

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