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Revista da Casa da Filosofia Clínica Inverno 2023 - Ed. 05

  Revista da Casa da Filosofia Clínica Inverno 2023 CLIQUE PARA LER A edição de inverno convida para uma relação com o saber e o sabor da introspecção reflexiva, na companhia do chocolate quente, chimarrão, café recém passado, em sua poltrona e leituras preferidas. Desejamos boas leituras no aconchego de onde você estiver. CLIQUE PARA LER

Pessoas & Cidades*

Como se conhece uma cidade? Existem vários métodos. Alguns turistas preferem aquelas excursões onde visitam cinco países em dez dias. Entram em um ônibus confortável com ar refrigerado, guia local, cafezinho a bordo e fazem um city tour de três horas. Tiram fotos, selfies, compram lembrancinhas nos principais pontos turísticos e postam em suas redes sociais. Outros optam por permanecer mais tempo na cidade, visitam parques, museus, restaurantes, conversam com pessoas. Dependendo da duração da estadia, aprendem a se locomover de metrô ou ônibus, fazem compras em lugares mais baratos, alimentam-se em restaurantes não turísticos, não erram tantos caminhos e até mesmo formam amizades genuínas com cidadãos locais. Começam a ter intimidade com a cidade, salvando-se do isolamento dos forasteiros. Mesmo assim, ainda falta muito para se conhecer uma cidade. Sua história, projetos para o futuro, rede elétrica, viária, pluvial, educacional, religiosa, financeira, sistema de saúde, governantes

Âncoras*

'Navegar é preciso; viver não é preciso'              (Fernando Pessoa)   Navegar e viver costumam ser desafios ao sabor dos ventos e das marés, como uma flecha lançada ao vento, sem rumo nem piedade, sem desculpas, sem destino, talvez só aquele que obstinadamente julgamos traçar. Não há garantias e pode não haver volta... e a cada movimento, entropicamente, detonamos o estoque de energia que nos foi reservado, sem nos darmos conta de que alguma coisa se esvaiu, de que algo precioso transmutou. Sabemos que emergimos do ventre e que vamos findar no ocaso da existência. O rio que corre entre essas duas margens, que por alguma razão somos impelidos a saltar, é que costuma fazer a diferença. Navegar é tão preciso quanto viver e viver é tão impreciso quanto navegar... uns se debatem sem alcançar suas ilhas distantes; outros buscam âncoras que os salvem daquilo que nem mesmo suspeitam, pois para ter qualquer migalha de conhecimento, virtude, experiência, ainda é preciso insisti

Filosofia Clínica e Discurso Existencial*

É com alegria e gratidão que compartilhamos o exemplar de n. 12 da prestigiada revista SÍLEX. Uma publicação da UARM - Universidad Antonio Ruiz de Montoya em Lima/Peru.  Nessa edição temos um texto intitulado: "Filosofia Clínica e discurso existencial", de autoria do Filósofo Clínico Hélio Strassburger. Para leitura do artigo na íntegra, clique no link abaixo:   Vista de Filosofia clínica e discurso existencial (uarm.edu.pe)   *Márcia Ribeiro Baroni Diretora da Casa da Filosofia Clínica

Viés cognitivo nas interpretações*

  “Despertos, eles dormem”               Heráclito   Como seres de cognição temos muito mais chances de errar o alvo do conhecimento/verdade do que acertar. É por isso que temos que ter um pouco mais de consciência de nosso aparato cognitivo e como ele, em linhas gerais, funciona. E, ainda assim, estaremos muito mais perto do erro do que do acerto cognitivo. E, por isso, além desse conhecimento geral sobre como funcionamos cognitivamente, temos que ter sistemas de revisão de crenças, juízos, conceitos etc. Ou seja, se queremos acertar em algo minimamente temos que trabalhar muito para isso. É por isso que a palavra conhecimento e verdade em filosofia é um mérito, um alcance cognitivo superior. No mais das vezes, no nosso dia a dia ficamos muito longe do conhecimento ou da verdade que a filosofia procura estudar. Mas isso não é problema, pois mesmo assim damos conta de nossas vidas e conseguimos, no mais das vezes, resolver nossas questões práticas da vida. O problema aparece qu

Maria sim, vai com as outras não*

  É encantador ver a força da mulher atual. Do modernismo à contemporaneidade, essa batalha pelo direito de ser livre e feliz, é espetacular. Sou meio paradona, pacifista, um pouco avestruz e de verdade, me perdoem, prefiro ficar de fora das lutas, dessas lutas que se evidenciam por causas e ideias. Não me queiram mal. Admiro e faço minha parte na torcida e orações pelas conquistas que mulheres de fibra e, para alguns, diferentes de mim, buscam em nome do respeito que todas merecemos. Todo movimento dá em transformação. Tenho visto lutas de todos os tipos em favor da liberdade de expressão, do direito de igualdade no trabalho e na vida, quanto à proteção e defesa nos casos de violência, para uma maternidade mais bem exercida, parto natural garantido e tantos outros atos lindos direcionados a formas de como a mulher pode viver melhor, depois de tantos séculos onde era vista como símbolo de inferioridade e tudo o que a ela se relacionava. Fico feliz por quem arregaça as mangas de for

Buscas e singularidades existenciais***

  Nas primaveras de 2007, 2008, 2009 e 2010, após centenas de sessões, entendemos que já era chegado o momento de partir, cada um para uma direção própria e singular, intencionada para não mais proporcionar encontros terapêuticos presenciais. A partilhante em questão, uma profissional bem-sucedida da Engenharia da Computação e especializada em Inteligência Artificial, não satisfeita com o diagnóstico de autismo que veio somente aos 35 anos, iniciou uma busca que ela mesma nominou de “autoconhecimento versão 2.0”. Ela tirava as suas férias sempre nas primaveras, hospedava-se num hotel da cidade de Porto Alegre/RS e desde o primeiro dia dessa estação comparecia pontualmente às nossas sessões sempre previstas para ocorrerem das 7:30 às 8:45h no nosso consultório itinerante situado no parque da Redenção. Como regra, trabalhávamos de segunda a sábado, fizesse chuva, fizesse sol, e, como exceção, aos domingos, ela escolhera comparecer ao parque sempre sozinha para fazer o mesmo trajeto fil

Um olhar para a singularidade*

Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas. Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobr

Opiniões de idiotas cultos e ignorantes*

  Embora os conhecimentos humanos sejam fragmentos da totalidade de sua existência, não significa que quem é versado em um conhecimento, possa dar opiniões sobre todo o resto com a mesma convicção. Algumas pessoas reivindicam a especialização em suas áreas devido ao tempo de formação necessário para tal construção de conhecimento para falar sobre seus temas, mas pensam que todos os assuntos que se encontram em “conversas de boteco” possam ser abordadas por todos da mesma maneira. Temas como política e religião são os que mais aparecem nesses pretensos conhecimentos de domínio público. Não se estuda esses fenômenos, porém fala-se como se todos soubessem exatamente o que é. Além disso, ainda há aqueles que se tornam “especialistas” quando são famosos como atores, youtubers, blogueiros, jornalistas (leitores de tele pronto), músicos, entre outros. Estes são usados com frequência como discurso de autoridade, não pela verdade do que apresentam, mas pela consonância que seus discursos tê

Notas para uma psicopolítica alternativa***

1. La ambivalencia de nuestra coyuntura psicosomática se encarna en la porosidad de una crisis anímica colectiva: el deterioro emocional de nuestras vidas precarias, agravado durante la pandemia, viene operando a su vez como punto de partida de “nuevos activismos psicopolíticos” y de iniciativas de “salud mental desde abajo”. Hoy el problema político es si delegamos la gestión de la crisis en el estado, la industria farmacéutica y el lenguaje progresista de las políticas desde arriba; o por el contrario, podemos resignificar y reapropiarnos de la crisis anímica desde abajo, redirigiendo las dinámicas de investigación y politización colectiva contra las causas estructurales del sistema productor de malestares. Animado por estos desafíos, releo dos libros antagónicos: Psicopolitica de Byung Chul Han (Herder) y Una lectura feminista de la deuda de Verónica Gago y Luci Cavallero (Tinta Limón). Leo de forma fragmentaria y dispersa, pero las resonancias militantes movilizan cierto deseo

O que é ser saudável ?****

Se existisse isso de ser saudável e talvez a pessoa dissesse sempre aquilo mesmo que pensa, trabalharia em algo que tem a ver com ela, teria amizades por afinidade, faria amor com quem ama. Existisse mesmo a pessoa saudável e Deus estaria com ela, os pássaros viriam ter com ela nas janelas e as janelas se abririam para o mundo. As crianças teriam escola e cresceriam com esperança - que não seria mais uma utopia. Os velhos seriam então apenas velhos e os adolescentes teriam a descarga adequada para seus dez mil hormônios. Haveria ainda solidão, tristeza, medo, ansiedade, é claro, e por que não ? Mas apenas às vezes, e seriam desejáveis porque ensinariam. A pessoa ficaria triste porque ocasionalmente isso é parte da vida, mas não estaria costumeiramente triste. Existisse a pessoa de fato saudável e eu não precisaria escrever este artigo, não teríamos livros de auto-ajuda nem de hetero-ajuda, as escolas de psicologia virariam respeitáveis museus e os médicos tratariam de consertar s

Paradoxo das sincronias – Nunca se está sincronizado totalmente com o mundo*

“Mas sem a integração da crueldade pela vida, também não haveria vida.”                                          Edgar Morin   Recolher a dor, deixar o tempo tomar conta do instante vivido, deixar de ir ao encontro do que anos atrás se fazia presente, quando a memória podia ser a guardiã. Nesta viagem de agora não estar nem no início e já temer o fim abrupto do mal que surge no horizonte: estrondos e explosões. O tempo que não foge do corpo, está colado nas paredes da alma, invisível é parte de todo o universo. Um breve esquecimento, o tempo que te salva é o mesmo que passa sem retorno programado. É como ter o controle da memória sem mesmo saber o caminho certo por onde ela anda esse tempo todo. Reprogramar a vida, autoanálise, pensar que os encontros sempre foram parte importante da formação da pequena história de cada corpo. Aqui estou. Reflito sobre a capacidade de encarar a vida sem perder os fios que ligam a memória ao tempo. Se o passado é feito de portas que se fecham, a

Expressividade*

Não! Não renuncio à vida. Não vou seguir atirando na sarjeta cada sagrado segundo desta breve viagem, nas mãos da racionalidade, civismo e bom senso excessivos... O que de selvagem me restou travestiu-se na fôrma da ignomínia.    Todavia, o fogo que arde no âmago das profundezas da vera essência, derrete as tolices formais e devolve a verdade imprecisa, pura, inocente. E só assim há coerência; o que não há no medo, nem na medida. O que não há na causa, nem no efeito. O que não há no tempo, nem no espaço. Coisas essas, que somente existem na opressão em que nos afogamos por nossos próprios meios. E tampouco neste asqueroso âmbito temos qualquer mérito ou recompensa. Escravidão, escravidão! Cegueira, cegueira, coletiva cegueira!!! Se liberdade não há, que ao menos não haja o grilhão. Gênero? Instituições? Moral? Formação? Modelos de aparência e conduta? A quantas chaves mais deveríamos nos trancafiar num cotidiano oco, padrão, robótico, mecânico, eletrônico, com o controle remoto

Polifilosofia, Lógica do terceiro incluso e Filosofia Clínica***

  A Filosofia Clínica é uma filosofia vazia de filosofia: é uma filosofia negativa, é uma não-filosofia, porque é total acolhimento. Ela nada impõe: ela recebe e acolhe as outras filosofias, inclusive as incompatíveis e contraditórias. A sua lógica geral somente pode ser uma lógica na qual as contradições sejam bem-vindas.  Bachelard sugere que nenhuma filosofia corresponde à totalidade do mundo: seria necessária a criação de uma polifilosofia, de uma filosofia aberta de segunda ordem, na qual todas as filosofias – mesmo as filosofias contraditórias, mesmo as filosofias incompatíveis – tivessem um lugar. Essa polifilosofia é, propriamente, uma filosofia vazia de filosofia; ela é pura forma, é uma filosofia de segunda ordem, uma metafilosofia. Essa filosofia de segunda ordem, essa filosofia polifilosófica, evidentemente não pode existir segundo as normas da lógica clássica. Afinal, a lógica clássica não suporta as contradições e as incompatibilidades. Ela exige uma lógica do terceir

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