“Mas sem a integração da crueldade pela vida, também não haveria vida.”
Edgar Morin
Recolher a dor, deixar o tempo
tomar conta do instante vivido, deixar de ir ao encontro do que anos atrás se
fazia presente, quando a memória podia ser a guardiã. Nesta viagem de agora não
estar nem no início e já temer o fim abrupto do mal que surge no horizonte:
estrondos e explosões.
O tempo que não foge do corpo,
está colado nas paredes da alma, invisível é parte de todo o universo. Um breve
esquecimento, o tempo que te salva é o mesmo que passa sem retorno programado.
É como ter o controle da memória sem mesmo saber o caminho certo por onde ela
anda esse tempo todo. Reprogramar a vida, autoanálise, pensar que os encontros
sempre foram parte importante da formação da pequena história de cada corpo.
Aqui estou. Reflito sobre a capacidade de encarar a vida sem perder os fios que
ligam a memória ao tempo.
Se o passado é feito de portas
que se fecham, abre, independente do mundo exterior, que se apodera do signo, a
palavra gravada nas lacunas do corpo e do pensamento a se mostrar na dor e
completude. Então, o que dizer da dor, esse desvio do ato de encarar a
realidade e ao mesmo tempo de desvendar a solidão do Ser no mundo?
Passo dias a pensar sobre alguns
temas, a dor, essa massa sem corpo, essa estrela vista por dentro e por fora,
essas cores que mudam conforme os dias. O tempo e a memória são o mesmo
horizonte aos olhos, a razão do corpo se manter teso, pronto para nadar até o
outro lado.
De repente surge o momento em que
me vejo dentro d’água, entre a respiração, os braços e as pernas que, no
movimento contínuo, me levam ao pensamento sublime. O único Deus que existe
para o meu Ser é o poder ser livre, poder pensar e me solidarizar com o mundo.
Com o que resta dele. Os amigos partirão comigo? Alguns sim, outros ficarão no
meio da guerra, a vida que suga até o último cigarro, a última lágrima.
O que pode estar acontecendo do
outro lado? Esse é o único detalhe que escapa dá lógica das coisas tangíveis e
das pensadas diante do mundo e do Ser no mundo. O desejo não se esgota em si, a
vontade, fruto de um tempo em que o Ser se torna domínio absoluto da alma, da
certificação de estar no início e no fim de si mesmo.
É como fazer seu próprio filme.
Acontece que nasci no berço mais humano do século XX, do ventre materno nasceu
a fome de viver à risca a vida em toda sua loucura. Não entrego meu pensamento
livre ao ódio que tenta justificar o mal diante de sua falta de aceitar a
diferença. Por isso, em alguns casos, a dor é mais latente, alguns vivem mais
intensamente.
Gosto de pensar o texto movido
por uma câmara imaginária, que aproxima mais e mais daquilo que tem o
significado da linguagem; o que está visível, o que narra, e principalmente o
que oculta, é o submerso vindo aos olhos do sentido. O que antes era esquecido,
não visto, pode tomar o espaço mais preciso na narrativa.
*Prof. Dr. Luis Antonio Gomes
Filósofo. Mestre e doutor em Filosofia. Editor. Escritor. Livre
Pensador.
Porto Alegre/RS
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