A cultura literária é condição indispensável para a aproximação com a Filosofia.
É fácil entender o porquê: o
leitor de bons livros vive várias vidas em sua vida; assim, pode intuir o que
há de universal na experiência humana possível, a partir de uma pluralidade de
experiências humanas, no curto tempo de sua existência. É esse o sentido da
bela fórmula do filósofo espanhol Fernando Savater: “a Literatura multiplica a
alma”.
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A deficiência literária na
Filosofia produz um pensamento pueril: produz a Filosofia de visão míope e
fôlego curto, a Filosofia dos horrendos congressos de pós-graduandos e dos
irrelevantes “papers” - o túmulo do espírito.
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A Literatura, a Grande
Literatura, é a matéria-prima de que se constitui todo o pensamento que vale a
pena ser pensado.
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Amigos, não basta saber ler para
compreender um texto. Para absorvê-lo mais ou menos inteiramente, é preciso
conhecer o campo de sentidos em que foi escrito.
Isto é: o domínio da língua não
se esgota na leitura e na escrita proficiente. A língua é composta por muitas
linguagens que se inscrevem em diferentes regiões hermenêuticas.
Ao transitarmos por um texto
escrito numa região hermenêutica desconhecida, encontramo-nos numa situação de
analfabetismo simbólico; não o interpretamos corretamente porque desconhecemos
os complexos nos quais os seus símbolos se relacionam. Estamos como que diante
de um texto escrito noutra língua, uma língua ignorada. Todavia – e aí está a
tragédia –, acreditamos compreender o lá está colocado, porque sabemos o
significado ordinário daquelas palavras.
O exercício intelectual mais
difícil é o reconhecimento da própria ignorância: se somos capazes de ler todas
as palavras de um texto, como podemos chegar à conclusão de que talvez não o
compreendamos? E que a ordem em que as palavras são dispostas faz emergir um
nível hermenêutico - de cuja existência podemos não suspeitar - que
eventualmente cria um significado completamente diferente, e mesmo invertido?
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Uma certeza: a perda da
capacidade interpretativa do brasileiro é conseqüência do abandono da nossa literatura
e da nossa poesia.
Temos escritores, temos poetas?
Sim - escritores e poetas de ontem e de hoje. Onde estão, todavia, os nossos
leitores?
Não duvidemos: a morte da nossa
literatura, o desaparecimento da nossa poesia, é o augúrio da insuficiência
civilizacional brasileira.
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"Mas como nós, pessoas
comuns, podemos ajudar a salvar a nossa civilização, professor Bertoche?"
Simples, amigos: comprem - e
leiam - com freqüência os livros dos nossos contistas, dos nossos romancistas,
dos nossos poetas. Progridam no caminho de sua auto-educação, e simultaneamente
dêem aos escritores e às editoras os meios para que sobrevivam.
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Escritor. Musicista.
Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da
Filosofia Clínica, lhe foi concedido o título de “Doutor Honoris Causa”.
Teresópolis/RJ
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