Pular para o conteúdo principal

A literatura como matéria-prima*

 

A cultura literária é condição indispensável para a aproximação com a Filosofia.

É fácil entender o porquê: o leitor de bons livros vive várias vidas em sua vida; assim, pode intuir o que há de universal na experiência humana possível, a partir de uma pluralidade de experiências humanas, no curto tempo de sua existência. É esse o sentido da bela fórmula do filósofo espanhol Fernando Savater: “a Literatura multiplica a alma”.

* * *

A deficiência literária na Filosofia produz um pensamento pueril: produz a Filosofia de visão míope e fôlego curto, a Filosofia dos horrendos congressos de pós-graduandos e dos irrelevantes “papers” - o túmulo do espírito.

* * *

A Literatura, a Grande Literatura, é a matéria-prima de que se constitui todo o pensamento que vale a pena ser pensado.

* * *

Amigos, não basta saber ler para compreender um texto. Para absorvê-lo mais ou menos inteiramente, é preciso conhecer o campo de sentidos em que foi escrito.

Isto é: o domínio da língua não se esgota na leitura e na escrita proficiente. A língua é composta por muitas linguagens que se inscrevem em diferentes regiões hermenêuticas.

Ao transitarmos por um texto escrito numa região hermenêutica desconhecida, encontramo-nos numa situação de analfabetismo simbólico; não o interpretamos corretamente porque desconhecemos os complexos nos quais os seus símbolos se relacionam. Estamos como que diante de um texto escrito noutra língua, uma língua ignorada. Todavia – e aí está a tragédia –, acreditamos compreender o lá está colocado, porque sabemos o significado ordinário daquelas palavras.

O exercício intelectual mais difícil é o reconhecimento da própria ignorância: se somos capazes de ler todas as palavras de um texto, como podemos chegar à conclusão de que talvez não o compreendamos? E que a ordem em que as palavras são dispostas faz emergir um nível hermenêutico - de cuja existência podemos não suspeitar - que eventualmente cria um significado completamente diferente, e mesmo invertido?

* * *

Uma certeza: a perda da capacidade interpretativa do brasileiro é conseqüência do abandono da nossa literatura e da nossa poesia.

Temos escritores, temos poetas? Sim - escritores e poetas de ontem e de hoje. Onde estão, todavia, os nossos leitores?

Não duvidemos: a morte da nossa literatura, o desaparecimento da nossa poesia, é o augúrio da insuficiência civilizacional brasileira.

* * *

"Mas como nós, pessoas comuns, podemos ajudar a salvar a nossa civilização, professor Bertoche?"

Simples, amigos: comprem - e leiam - com freqüência os livros dos nossos contistas, dos nossos romancistas, dos nossos poetas. Progridam no caminho de sua auto-educação, e simultaneamente dêem aos escritores e às editoras os meios para que sobrevivam.

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche

Filósofo. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, lhe foi concedido o título de “Doutor Honoris Causa”.

Teresópolis/RJ

Comentários

Visitas