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Amor ou Deliquência?*

  Romperam um namoro de quatro anos, cada um dizendo que não agüentava mais, que o término seria uma libertação para ambos e que a culpa não era de nenhum dos dois. Nada de ofensas, cobranças, reclamações ou lágrimas. Educadamente deram-se um último abraço e reciprocamente desejaram-se boa sorte. Passados dois meses da separação, João resolveu atormentar Maria enviando-lhe uma mensagem, a primeira e única desde o último encontro. “Sonhei contigo esta noite Maria. Estavas te preparando para o primeiro encontro depois que nos separamos. Era com o primo de tua amiga Juliana, ela jurava que vocês combinavam e insistiu na apresentação. Estavas agoniada, não sabias que roupa usar, andavas de um lado para outro. Eu estava sentado no sofá da sala te observando, mas não conseguias me ver. Primeiro experimentastes aquele vestido branco que te dei de aniversário, depois trocastes de roupa mais umas cinco vezes. Calça jeans rasgada, saia verde plissada, blusa azul de crochê feita pela tua mã

Doença?*

Em sentido direto, o conceito de doença não pode ser usado na pedagogia. Um pedagogo ou pedagoga não pode considerar um aluno ou aluna “doente”. Um advogado não usa o conceito de doença em sua linguagem de trabalho para definir seus clientes. Um engenheiro não se dirige a uma estrutura material de uma construção como “doente”. Um economista não pode avaliar um sistema econômico de “doente”. Um filósofo não usa este termo como avaliação moral de um sistema político ou moral. A sociologia não pode usar como se fosse de seu vocabulário técnico a palavra “doente”. Um matemático não avalia uma equação através do conceito de “doença”. Enfim, o termo “doença” é estritamente médico e todos os seus usos fora deste âmbito são metafóricos. Leonidas Hegenberg, em seu livro “Doença: um estudo filosófico”, escreve que medicina designa a ciência e a arte de diagnosticar, tratar, curar e prevenir a doença, aliviando a dor e melhorando ou preservando a saúde; e também, o ramo de tal ciência ou arte

El ángulo de las perplejidades***

Uno de estos días vi una reseña, de esas que sigues pensando en la representación de la que partió. La persona dijo: “ese nombre extraño: Filosofía Clínica, no me suena bien”. A partir de entonces, surgieron algunas notas sobre este lugar donde la gente dice lo que dice, incluso cuando cree saber lo que sabe. El precepto socrático: “Solo sé que no sé nada”, ofrece una pista de aprendiz para vivir con la dialéctica de las originalidades. Tienen una fuente única de rituales y dialectos, inaccesible al contacto superficial. Su expresión suele tener un sentido obtuso, una lectura alejada de su origen. A un punto de vista excepcional le gusta ser inesperado. Le toca al sujeto moverse para ser el protagonista con la amplitud inconmensurable de cada medida; aun así, su aspecto de incomprendido sigue deconstruyendo convicciones. Una descripción de esta naturaleza precursora parece elegir a quién revelar su óptica. Las medallas, las condecoraciones, los títulos no son suficientes para justi

Uma perspectiva prática da recíproca***

A metodologia da Filosofia Clínica contempla elementos que constituem a estrutura de pensamento e os modos de agir de cada pessoa. Alguns elementos, como a inversão e a recíproca, podem estar tanto na espacialidade intelectiva quanto nas ações do indivíduo. Simplificadamente, inversão é o movimento de trazer o outro ao seu próprio mundo, enquanto a recíproca é ir em direção ao outro. No espaço terapêutico, a recíproca pode fazer parte da qualificação da relação terapeuta/partilhante, sendo utilizada pelo terapeuta que escuta, acolhe e, principalmente, se isenta de suas perspectivas do mundo e das relações diante do discurso existencial do partilhante. Assim, considera essencialmente o outro para possibilitar o espaço da construção compartilhada. Em um esboço preliminar, através do discurso existencial do partilhante, a recíproca pode aparecer como tópico importante da estrutura de pensamento. Com a evolução do tempo terapêutico, através do acesso à historicidade, às circunstâncias, à l

Coringa - Normose nocauteada, estereótipos desconstruídos*

Ontem assisti o Coringa ("Joker", Tood Phillips e Scoot Silver, 2019), presente nas principais telonas mundo afora, primeiro longa de um vilão da DC Comics. Ainda processando, tamanho impacto. O filme cativa como um todo: música, fotografia, roteiro e a estupenda interpretação de Joaquin Phoenix, impressiona! A densidade do personagem, de uma singularidade existencial única, rechaça tipologias e estereótipos do que é normal e aceitável, do que é saúde e doença, do que é certo e errado. Desvela a tênue linha e o potencial estrago de conceitos adotados aprioristicamente como Bem e Mal, Herói e Vilão, Humano e Besta, Real e Ilusório, Potência e Vulnerabilidade, Abjeto e Sublime. O filme demanda olhar atento e libertação dos grilhões de nosso próprio tempo. Freios: o que são, a quem servem, como utilizá-los... Lembrei muito de Giordano Bruno, do combate a ignorância pelo livre exercício do sonhar e filosofar... De Baruch Spinoza, quando vive Deus em tudo e não se restringi

Jornada Protagonista*

A palavra é um manifesto da razão e da denúncia, toda vez que as nossas impressões transbordam e expressam numa intensidade de duração e alcance capaz de tocar nas percepções alheias. Na razão podemos justificar a temporalidade, e o quanto, as vezes, percebemos pueril e passageiro os sabores e dissabores da vida, sempre tão pertinentes para nos ensinar que o ser só pode mesmo transgredir ou transcender. E, cabe a cada um de nós, a escolha de ser mais um cativo ou mais um protagonista, nessa jornada tão própria de existir sentindo tanto... Sentir muito é o que faz despertar a possibilidade de perceber mais dia menos dia, que tanto a liberdade quanto a prisão são decisões desafiadoras, que sempre tendem na direção de um desfecho capaz de nos oportunizar sermos senhores das nossas próprias escolhas, enquanto, necessariamente, nos lançamos como reféns das consequências. Curiosamente, quando uma sensação de felicidade precisa ser justificada ou anunciada já se trata de uma ilusão, poi

O Instante Aprendiz***

“Todas as coisas são de tal natureza que, quanto mais abundante é a dose de loucura que encerram, tanto maior é o bem que proporcionam aos mortais”                                                                 Erasmo de Rotterdam   Ao esboçar apontamentos sobre uma lógica da loucura, um viés de absurdidade se desvela em estilhaços de múltiplas faces. Fronteira onde a normalidade se reconhece nos seus paradoxos. Uma das características da expressividade delirante é ensimesmar-se em desacordo com o mundo ao seu redor. Cria dialetos de difícil acesso para proteger suas versões de maior intimidade. O papel da Filosofia Clínica na interseção com a crise imediata também é apresentação indeterminada num processo caracterizado pelo exagero da manifestação Partilhante. Um não saber veicula provisórias verdades no compartilhar desconstrutivo das sessões. Representações existenciais difusas se alternam em narrativas no tempo da pessoa. A linguagem da loucura se constitui em um conjunto

Somos Forrest Gump?*

  Quando vemos o filme 'Forrest Gump', tendemos a nos colocar no lugar de quem viu o que "realmente" aconteceu e a narrativa do personagem principal, que dá nome ao filme, como quem viu algo de modo limitado. É como se nós tivéssemos uma visão privilegiada e, o outro, uma percepção limitada. A noção de que acessamos a "realidade" com "objetividade" pode trazer uma noção do outro como quem tem uma visão limitada pela inteligência, sentimentos, pontos cegos etc. No entanto, de certo modo, somos como o Forrest Gump. Nossa percepção do mundo é uma perspectiva. Tendemos a acreditar piamente no que nossos olhos e lembranças nos dizem sobre um acontecimento ou experiência. E não estamos errados. Pois é essa percepção ou visão de mundo que norteia nossa vida. Por isso, no consultório, não buscamos necessariamente o que aconteceu, mas como a pessoa vivenciou, interpretou, significou etc. o ocorrido. Pois não é a objetividade que marca a experiência qu

Passagens*

     “As ruas são a morado do coletivo.”                     Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cruzados, crucificados ao sol.”                     Albert Camus   Gostaria de ir a Paris, uma viagem à literatura, Um regresso ao imaginário da juventude, Um flâneur perdido no tempo, em ruas, livrarias, dos esquecidos os deuses em solitude.   Me prepararia dos olhos ao coração, Compraria uma roupa, um tênis, Me enfiaria dentro de dois livros na bagagem, E, de quebra, esperaria o acaso, em plena contemplação.   Arrumaria uns dias, o momento de ver um filme, No avião em uma conversa imaginária com Camus, Um gole de vinho, uma lágrima de viver e morrer, Voo noturno, pensando onde ficar, no descaminho.   O encontro do sonho com as possibilidades, A língua anárquica percorrendo as ruas, E nenhum fim naquilo que o pensado quer, Ir, voltar, sem nunca morrer longe das águas. *Luis Antonio Gomes Filósofo. Editor. Escritor. Poeta. Me

Antídoto à estupidez*

A nossa época é a época da estupidez voluntária – uma época em que prazerosamente imbecilizamo-nos por nossos próprios atos. Imbecilizamo-nos quando assistimos à televisão. Quando perdemos horas do nosso dia em redes sociais. Quando consumimos o lixo produzido pela indústria cultural: filmes de super-heróis americanos, música feita para rebolar, videogames que roubam o irrecuperável tempo da vida. O interesse geral suscitado pelas notícias da vida privada de celebridades do showbizz é representativo da nossa imbecilidade: satisfazemo-nos quando tomamos posição no que é absolutamente irrelevante. Amigos, ninguém exige que consumamos esse tipo de inutilidade. Ninguém nos força a falar das pautas oferecidas pelos media. Nós somos os responsáveis pelo nosso próprio vácuo mental. * * * Como escapar da vacuidade intelectual, o deserto do nosso tempo? Somente conheço um caminho: o da recusa à participação na ciranda das nulidades. A recusa às conversas sobre o escândalo do dia, so

Singularidade Moral? *

Há uma confusão dentro da própria Filosofia Clínica que se expande para quem quer conhecê-la. É quando alguém pergunta para um filósofo clínico – e sempre perguntam – se a filosofia clínica aceita a singularidade como ela é, o que faz quando atende um psicopata ou um pervertido ou alguém deste tipo? Aceitamos sua moralidade perversa porque é “singular”? A resposta que muitos filósofos clínicos dão é mais uma confusão do que uma explicação. Por isso é importante dividir a resposta. Singularidade em filosofia clínica é uma questão terapêutica, e a pergunta que fazem acima é moral. Defender a singularidade terapêutica não é defender certa moralidade ou ter um relativismo moral. São coisas diferentes. Vou explicar. Aceitar e defender a singularidade terapêutica é compreender que para exercer uma terapia para cada pessoa é necessário que o terapeuta tenha o outro como único, irrepetível, inédito em sua estrutura interna, em sua representação de mundo e seus modos de ser no mundo. Cada u

Leituras Clínicas*

“O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                                Hélio Strassburger                    O trecho citado está na obra “A palavra fora de si”. Ed. Multifoco/RJ. 2017, do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo. Durante esses 5 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limit

Majora***

  “Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre”                                                            José Eduardo Agualusa   Certos universos nos surpreendem, mais ou menos como a máxima de achar que de onde menos se espera, surgem preciosidades, ou, pelo menos, algo se mexe no espírito meio adormecido. Foi assim com a lua de Majora, prestes a cair, caso o tempo não se incumba de encontrar soluções favoráveis aos destinos incertos de cada um de seus habitantes (com seus dramas e seus sonhos inacabados). O que parecia ser uma simples brincadeira revelou-se uma reflexão curiosa sobre percepção e valores. No interior deste belo e enigmático ambiente, crianças brincam a desafiar dilemas e nos convidam a tirar nossas máscaras, expor nossas questões e nos revelarmos. As crianças indagam: “Seus amigos, que tipo de pessoas eles são? E essas pessoas te veem como um amigo?” Amig

Pelos direitos dos meninos*

  Que nenhum menino seja coagido pelo pai a ter a primeira relação sexual da vida dele com uma prostituta (isso ainda acontece muito nos interiores do Brasil!) Que nenhum menino seja exposto à pornografia precocemente para estimular sua “macheza” quando o que ele quer ver é só desenho animado infantil (isso acontece em todo lugar!) Que ele possa aprender a dançar livremente, sem que lhe digam que isso é coisa de menina Que ele possa chorar quando se sentir emocionado, e que não lhe digam que isso é coisa de menina Que não lhe ensinem a ser cavalheiro, mas educado e solidário, com meninas e com os outros meninos também Que ele aprenda a não se sentir inferior quando uma menina for melhor que ele em alguma habilidade específica – já que ele entende que homens e mulheres são igualmente capazes intelectualmente e não é vergonha nenhuma perder para uma menina em alguma coisa Que ele aprenda a cozinhar, lavar prato, limpar o chão para quando tiver sua casa poder dividir as tarefa

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