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Menos um minuto*



Depois do texto concluído, lembrei-me desse poema de Fernando Pessoa e achei oportuno expô-lo como abertura ao escrito. Espero que apreciem!

Para ser grande, sê inteiro:
Nata teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha,
Porque alta vive.
(Ricardo Reis)

Já parou para pensar que a vida parece longa demais quando se é jovem e muito curta quando se está com idade avançada? Na verdade, estamos para morrer assim que passamos a viver. Estamos sempre sujeitos a um fim. E qual é a garantia de que viveremos mais um ou dois segundos à frente? Sinto dizer que não há garantias.

O que resta do que passou? Lembranças. Somente os resquícios de vivências passadas acrescidas de marcas ainda presentes em nós que, em alguns momentos, nos lembram do que vivemos. Embora essa lembrança já nos remeta a uma interpretação revivida do passado que não temos mais presente.

A impressão muito presente na juventude é a de que a vida é longa. Impressão de quem vive projetando um futuro muitas vezes glorioso, mesmo que no presente não haja construção alguma que conceda um mínimo de garantia dessas glórias vindouras. A sensação de longevidade é fruto de expectativas, sonhos, projeções, impressão de que ainda há muito a se fazer, porém, amanhã. Hoje, segundo os adeptos da desocupação, é um tempo privilegiado de um eterno presente que não finda.

Para quem se encontra em idade avançada, todos os dias são experimentados como derradeiro momento, o fim que se renova cotidianamente a expressar o que inevitavelmente virá: o fim. Diante disso, a esperança diminui e surge a possibilidade da lamentação contínua. O passado muitas vezes é um tempo que se volta para lamentar o não feito, quando todas as possibilidades realmente autênticas não foram abraçadas. As regras sociais foram maiores do que o sonho de ir além do “politicamente correto”. O passado, nesses casos, é um acúmulo de frustrações. A garantia de futuro, forjada numa luta em que a vida era sacrificada para garantia de um conforto, encontra o momento final como a grande falha no sistema, que na verdade é a grande falha de sonhos nos quais o presente era perdido por uma esperança de algo melhor.

De um lado, a juventude com todo futuro pela frente, vivendo o presente sem valorizar o momento único da vida. De outro, a idade avançada, na qual pouco resta a fazer na constatação de que o passado foi tão mal vivido. É claro que há jovens que vivam o presente de acordo consigo e idosos que se orgulham de seu passado. Entretanto, trato aqui dos casos frustrados. E nesses casos, muitas vezes, se não há o que fazer agora da parte deles, resta pensarmos nossa parte.

Será que, ao vislumbrar um futuro, cuidamos de fazer valer a pena cada passo do presente? Se ao olharmos para trás, somos capazes de afirmar que vivemos da melhor forma possível a vida pretérita? Na ausência de respostas e fórmulas prontas sobre viver bem, resta a consciência de cada um ao deparar-se com a clareza muito ou pouco evidente da coerência entre a vida e seus parâmetros. A cada instante que passa, menos um minuto temos para viver. Ocupar-se com o presente, seja de que forma for, talvez seja a melhor maneira de não passar o resto dos dias lamentando o “tempo perdido”. E você, como tem vivido?

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ    

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