O privilégio de um espaço terapêutico
O espaço terapêutico pode
ser um âmbito privilegiado de construções compartilhadas. Nele, filósofo
clínico e partilhante ensaiam hipóteses de outras vias. Onde antes parecia
haver uma bifurcação, um dilema entre duas vias igualmente ruins, podem surgir
outras direções antes impensadas. Na história de vida relatada pelo
partilhante, podem emergir indícios de caminhos abertos, mas não trilhados.
Vendo isso, o filósofo tem a possibilidade de construir a clínica por essas
vias. A singularidade dos casos não nos permite dizer quais são essas vias e
para onde elas levarão a pessoa. Mas, há chances consistentes de lograr êxito
quando tais caminhos estão de acordo com as direções para as quais a pessoa se
dirige existencialmente.
************
Já atendi casos assim?
Nós, terapeutas, corremos
o risco de acumular atendimentos com casos parecidos e, com isso, construirmos
uma noção de que saberemos como compreender e o que fazer ao surgirem novos
casos com as mesmas características. Mas, a aparente semelhança não deve pautar
nossos procedimentos futuros. Talvez isso funcione em planejamentos
sanitaristas, em projetos urbanísticos, em investigações sociológicas etc.
Porém, quando se trata da terapia, os elementos em comum não devem sobrepor as
especificidades, as singularidades. David Hume nos ensina que nossa noção de
causa e efeito, isto é, nossa compreensão de padrões nada mais são do que
hábitos. Todavia, se o hábito do terapeuta obnubila sua abertura ao novo do
outro, a terapia corre o risco de se tornar um enquadramento. Assim, o
terapeuta perde seu espanto e admiração ante o novo; no caso da minha área,
deixamos de ser filósofos, ou melhor, filósofos clínicos.
************
A filosofia clínica é uma
das respostas?
Desde os anos de 1980
(alguns estudos apontam movimentos em décadas anteriores), estudiosos ao redor
do mundo começaram a pensar a aplicação da filosofia em atendimentos de consultório.
A filosofia clínica é uma dessas propostas. Além disso, ela é genuinamente
brasileira, com fundamento e método próprio. Assim como alguns outros
sistematizadores de terapias, Lúcio Packter veio da medicina; mas, como
estudioso das psicologias, da neurologia, da psiquiatria e, sobretudo, da
filosofia, foi além das compreensões fisiológicas do ser humano. Os estudos
realizados por Packter o levaram a constituir o método da clínica filosófica.
Trata-se de um método que nos leva a considerar a singularidade em suas
consequências mais radicais: cada pessoa é única, assim como seu contexto, sua
história, sua estrutura e seu modo de viver.
*Prof. Dr. Miguel Angelo
Caruzo
Filósofo. Filósofo
Clínico. Escritor. Prof. Titular em Porto Alegre/RS e Chapecó/SC. Teresópolis/RJ.
Além do mestrado e doutoramento acadêmico, possui o doutoramento “Honoris Causa”,
conferido pelo Conselho da Casa da Filosofia Clínica em 2019.
Comentários
Postar um comentário