A busca de um exercício ao papel existencial cuidador acessa e constitui no terapeuta, pela via da interseção, um conjunto harmônico para suas vontades. Ponto de partida a instruir os procedimentos essenciais à sua atividade clínica.
O filósofo clínico atuante sabe
que sua experiência pode valer muito pouco, pois cada partilhante traz consigo
uma originalidade desconhecida. Com base no historicismo, fenomenologia,
filosofia analítica da linguagem, este novo constructo metodológico exercita um
acolhimento e cuidados com a singularidade. Esses referenciais metodológicos
dinâmicos, adaptados em uma relação a posteriori, qualificam os atendimentos,
reescrevem a história da pessoa a partir de sua própria matéria-prima.
Essa nova abordagem trata de
aprender com o aprendizado dos seus partilhantes. Analisa, reflete, compreende,
compartilha, reelabora em conjunto, exercita sua plasticidade pelo devir
existencial ali em frente.
Para a S., filósofa clínica há
cinco anos, é assim: “Esta possibilidade metodológica que a clínica oferece ao
meu ser terapeuta constitui-se em ocasião de crescimento pessoal. Todo este
tempo atendendo, compreendendo e interagindo com o mundo dos outros tem feito
com que eu me sinta uma pessoa melhor”.
Esta reflexão do terapeuta sobre
seu papel existencial, além do contexto da clínica que realiza, pode oferecer
cuidados ao cuidador, o qual nem sempre dispõe de uma clínica didática ao seu
alcance, uma supervisão adequada a qual, por si só, compartilhada com um
colega, poderia auxiliar em casos de dificuldade maior.
Neste sentido, a autoterapia do
filósofo pode ser possível em algumas circunstâncias, e em outras não. Tendo
como ponto de partida o pré-estágio, pode acessar sua farmácia interna,
qualificar o cuidado de si. Dependendo dos tópicos estruturais significativos,
os pontos cegos, os caminhos podem ser outros.
Ao propor parcela significativa
de si mesmo na relação com o partilhante, o filósofo clínico pode de forma
analítica, crítica, reflexiva, quando em trânsito pela desconhecida geografia
subjetiva do outro, elaborar-se sem perder de vista as circunstâncias do seu
papel existencial.
A I. é filósofa clínica há dez
anos: “Eu consigo, na maioria das vezes, efetuar uma espécie de autoterapia,
pois já tive, na minha formação, na etapa da clínica pessoal, oportunidade de
qualificar minha terapia. Lá eu pude me conhecer melhor. Buscas, valores,
representação de mundo, epistemologia, emoções, pré-juízos... Saber como isto
tudo funciona na minha estrutura no trabalho clínico. Também acessar os
caminhos para a minha própria melhora, os quais estão ali, à minha espera por percorrê-los
e me sentir melhor. Quando encontro alguma dificuldade maior, tenho meu
terapeuta que me socorre”.
A filosofia clínica, ao se
constituir em uma terapia, trata de pessoas. Num processo dialético, também
oferece ao papel existencial cuidador eventos de transformação e crescimento.
Para tanto, reivindica uma interseção onde se apresente: coragem, abertura,
acolhimento, impulso na direção do outro; noutras palavras: gente cuidando de
gente.
O exercício cuidador de quem
cuida, em seus instantes de fragilidade, pode constituir um elemento importante
da atividade clínica, muitas vezes desmerecido pelas escolas de medicina,
psicologia, filosofia. Aqui pressupõe um diálogo interdisciplinar e espírito de
grupo, importantes para um olhar de acolhimento e cumplicidade terapêutica com
o papel existencial.
Inicialmente, pela via dos
relatos da historicidade, acontece um encontro do filósofo com seu partilhante,
alguém que compartilha um espaço de vida para sua terapia pessoal. Por essa
escuta fenomenológica, institui-se um lugar de encontro. Referência ao papel
existencial terapêutico. Na interseção é possível se descrever as movimentações
do lado a lado do encontro clínico.
Nesse sentido, destacam-se as
fontes de cuidado daquele que cuida. Ser filósofo clínico é ter um constructo
metodológico à disposição do outro, no entanto, essa mesma pessoa, nalguns
casos, pode precisar de atenção na sua atividade clínica. Para a N., filósofa
clínica há oito anos: “O que acontece é uma transformação. Recolho forças e
subsídios dentro de mim, que às vezes me surpreendem. Não sabia que tinha tais
atributos para tratar determinadas questões. Noutros casos, trato de me
alimentar existencialmente com aquilo que me é importante”. Uma espécie de
autocuidado pode significar, à pessoa do filósofo clínico, a manutenção do seu bem-estar.
Ao sujeito terapeuta cabe um
papel existencial estruturante, algo essencial à sua atividade clínica, pois
será convidado a navegar por oceanos belíssimos e cheios de poesia, e também
mergulhar em águas profundas, muitas vezes infestadas de armadilhas, tão
exóticas quanto os lugares onde se encontram. Um território subjetivo que
reivindica habilidade, competência, método, para deslocar-se pelas múltiplas
versões da interseção.
*Hélio Strassburger in “A palavra fora de si – Anotações de filosofia clínica e linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017.
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