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Para onde estamos evoluindo?***

A guerra entre o bem e o mal não é travada entre exércitos adversários ou entre cidades e nações inimigas. A batalha entre o bem e o mal acontece dia a dia dentro de cada ser humano. 

Segundo Platão, a mente humana trava uma disputa incessante entre três forças para controlar nosso comportamento. Uma das forças é o instinto animal de sobrevivência, preparado para lutar, comer e acasalar. A segunda força são nossas emoções, alegria, raiva, medo. Instinto e emoção funcionam como animais selvagens internos empurrando nosso comportamento para direções pouco aconselháveis. 

O cérebro dos humanos evoluiu e desenvolveu o pensamento racional, visando refrear ambos os animais e nos guiar num caminho mais civilizado e justo. Há controvérsias. O mau comportamento não é fruto de atividade de animais ancestrais interiores inferiores, assim como o bom comportamento não é resultado da racionalidade. São metáforas utilizadas para tentar explicar condutas humanas aleatórias. 

Cabe então uma pergunta, por qual razão o cérebro humano evoluiu? A resposta óbvia seria para pensar e assim colocar o homem no topo da evolução e da cadeia alimentar, controlando o modo de funcionamento do mundo e dos demais animais. Pensar seria o super poder humano sobre as outras espécies. 

Doce ilusão. Não é bem assim. A evolução não tem propósito. Segundo o dicionário, evolução é um processo no qual ocorrem mudanças nos seres vivos ao longo do tempo, podendo levar ao surgimento de novas espécies. Desejada ou não, evolução acontece, pra melhor ou pra pior. O fato de o homem pensar não o torna superior, tampouco melhor ou pior que outros animais. 

Não temos asas para voar, não conseguimos levantar cinquenta vezes nosso peso, membros amputados não voltam a crescer. Capacidades vulgares para animais ditos inferiores e que humanos consideram super poderes de heróis fictícios e adorariam possuí-los. 

A seleção natural não privilegiou a espécie humana, apenas lhe deu adaptações particulares para que sobrevivesse em seu habitat. Pensar é uma destas adaptações. Os outros animais estão singularmente adaptados aos seus ambientes de maneiras diversas. Bactérias, por exemplo, são muito talentosas em sobreviver em ambientes inóspitos e agressivos, como no interior de nossos intestinos ou nas carcaças dos seres humanos depois de mortos. Ironicamente o ser que se julga no topo da evolução, um dia será decomposto por um animal classificado por ele como inferior e na retaguarda do ecossistema. 

Para que serve afinal o pensar e qual a vantagem de termos um pensamento?  Pensar remete a racionalidade e responsabilidade e emoção supostamente significa insensatez e leviandade? Pensamento denota ausência de emoção? 

Se colocarmos frente a frente um homem e um gorila numa luta e o homem estiver desarmado, o gorila acaba rapidamente com o homem. Se colocarmos dez gorilas em luta contra dez homens, os gorilas estraçalharão os homens. Agora se colocarmos cem homens versus cem gorilas, os homens devem vencer a batalha. Por quê? Porque os homens têm o super poder de pensar. Frente a um inimigo comum unem-se visando a sobrevivência mútua, coisa que macacos não fazem, é cada um por si, sem pensar no outro. 

Nesta situação particular o pensar fez toda diferença, no entanto pensar é a fonte tanto de nossas forças como de nossas fraquezas. Dá-nos a capacidade de construir civilizações como de destruirmos uns aos outros. Torna-nos simples, imperfeita e gloriosamente humanos. Viver é navegar a canoa da razão num mar de emoções. Alguns naufragam, outros atravessam oceanos. Ou como dizem os versos do poeta português Fernando Pessoa, “navegar é preciso, viver não é preciso”. 

Isso mesmo, infelizmente viver não é algo que acontece com exatidão, clareza, certeza ou inocência. Quando olho pela janela e vejo guerras por um pedaço de terra, assaltos e mortes por aparelhos celulares, noticias falsas sobre a pandemia e vacinação, me pergunto para onde estamos evoluindo. 

Para ultrapassarmos a batalha entre o bem e o mal, precisamos entender o que significa sermos racionais, responsáveis por nossas ações e, talvez mesmo, o que significa sermos humanos.

*Ildo Meyer

Médico. Escritor. Palestrante. Mágico. Filósofo Clínico.

Porto Alegre/RS

**Texto baseado no livro “7 lições e meia sobre o cérebro” de Lisa Feldman Barret. Ed. Temas e Debates. Lisboa. Portugal. 2022.

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