Algumas coisas são difíceis ou impossíveis de explicar ou definir com palavras. Se tentarmos enquadrá-las em algum conceito, imediatamente as perdemos. Quer um exemplo?
Felicidade é aquilo que sentimos
quando comemos uma barra de chocolate. Será? Nem todos gostam de chocolate, e
mesmo os que adoram, podem ficar felizes com o sabor doce em suas bocas, mas ao
mesmo tempo, arrependidos por ingerirem calorias engordantes. Vou complicar um
pouco mais.
Onde está escrito que não se pode
estar feliz e arrependido ao mesmo tempo? Ou feliz e angustiado
simultaneamente? O compositor Martinho da Vila já cantava: “Felicidade, passei
no vestibular, mas a faculdade, ela é particular. Livros tão caros, tanta taxa
pra pagar..”
Sentimentos são únicos,
particulares, personalizados, cada qual sente a sua maneira, e por isso mesmo,
não podemos universalizá-los sob risco de não se enquadrarem no modo de sentir
de todos ou de alguns.
Fazemos aproximações e metáforas
tentando expressar com palavras algo que palavras jamais conseguirão exprimir.
Sentimentos acontecem para ser sentidos, não cabem em palavras. Não podemos
cometer o crime de enjaulá-los em conceitos e tentarmos nos ajustar a padrões
determinados por especialistas.
Vou aprofundar um pouco mais.
Felicidade é um sentimento ou um substantivo? Masculino ou feminino? Gosto
muito de uma aproximação que diz felicidade ser a sensação que temos quando não
queremos que aquele momento especial termine. Você está dando aquele beijo de
novela, comendo um delicioso bolo de banana, lendo um bom livro, correndo no
parque, passeando com seu neto ou simplesmente acariciando seu cão e quer
permanecer assim para todo o sempre.
Para alguns esta aproximação não
chega nem perto, ainda está muito distante do que imaginam ser felicidade.
Seria preciso que nestes momentos especiais a pessoa estivesse inteira,
presente, envolvida, comprometida só com aquilo, sem pensar no futuro, passado,
conseqüências ou opinião de outros. Felicidade seria a entrega total ao
sentimento surgido.
Se seguirmos por esse caminho,
chegamos numa encruzilhada. Felicidade seria apenas o sentimento efêmero,
finito, passageiro ou algo mais constante e inalterável? Pessoas que se dizem
felizes, estão felizes naquele momento ou são felizes na maior parte do tempo?
A velha e conhecida diferença entre ser e estar.
Vejam como o escritor João
Doederlein tenta nos aproximar da felicidade. É uma visita que nunca toca a
campainha, já chega fazendo festa, se arrumarmos a nossa casa para recebê-la,
ela não vem. Tem hábitos imprevisíveis, é clandestina, então, aproveite muito
as visitas que ela fizer na sua vida.
Vinicius de Morais pega um atalho
e canta: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Caetano Veloso lamenta:
“Felicidade foi se embora e a saudade no meu peito ainda mora”.
O escritor português Raul
Minh’alma pega outra estrada para nos aproximar da felicidade e não deixá-la
partir. “Por vezes sentimos uns flashes felizes, relâmpagos de alegria, frações
de segundo únicas, divinas. Em seguida desaparecem e não conseguimos mais
recuperar aquelas sensações fugazes. Não sentimos mais, não alcançamos mais
aquele paraíso, mas sabemos que somos felizes.” Para Raul, existem dois tipos
de felicidade, a sentida e a sabida. Talvez seja isto que nos falte tantas
vezes, saber que somos felizes mesmo quando não nos sentimos.
Alguns ligam felicidade à
satisfação dos desejos. Isso não passa de uma ilusão mercadológica, uma estrada
sem saída. Imaginamos existir algo que nunca tivemos, mas que nos satisfaria
totalmente, levando-nos a felicidade completa. O problema é que não sabemos o
que poderia ser. Freud já dizia que o único objeto verdadeiramente
insubstituível é aquele que nunca tivemos.
Não saber exatamente o que é
felicidade, faz parte do jogo.
Não estar feliz faz parte da
felicidade.
Invente sua felicidade.
Desejo-te toda felicidade que
puder agüentar.
*Dr. Ildo Meyer
Médico. Escritor. Mágico.
Palestrante. Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS
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