Sinta a maciez no contato físico das mãos e dedos sobre o papel agradável de cada folha, nas páginas do mais recente livro de Hélio Strassburger. Um convite às sensações, Filosofia Clínica e Literatura: Conversações oferece, como submodo, um percepcionar. Em direção às ideias complexas, imagino esse livro sendo lido, no toque, em braile, pelos dedos de um leitor desprovido da visão física dos olhos.
Um livro de sinônimos. Se
“sinônimo de amor é amar”, conforme música de Cláudio Noam e parceiros,
sinônimo de sensações é ler! A leitura do trecho em que o autor diz que “É
possível exercer uma atividade dessa natureza [papel existencial] mesmo ao
distorcer a expressividade.”, causou um estranhamento e fez pensar na palavra
“expressividade”.
Ao continuar a leitura, tive
minha compreensão do termo como tradução de singularidade. Daí a intuição de
que esse texto do Hélio (não apenas esse) é um livro de sinônimos. Sinônimos
como tradução, outro submodo bem característico nas obras deste autor. Detalhes
como a ausência do acento agudo na palavra “clínica”, logo na capa, não por
descuido ou erro, - uma questão estética, talvez-, com alguma certeza, mas mais
pela afinidade com o perfil desse autor, permite dizer que é uma escolha intencional
de quem faz da sua escritura um registro de suas convicções, de alguém que caminha
na contramão das convenções.
Conversações de Hélio traz um
novo do mesmo, continuado, em constante fluxo e movimento, na busca (mais que
um submodo; um tópico determinante) fiel e perseverante em defesa do método da
filosofia clínica que, como em todas as suas obras anteriores, figura como pano
de fundo, sempre retomada e acrescida de nuances que a versatilidade e riqueza
desta proposta terapêutica oferece. Indicativo disso há na página 139, onde
Hélio aponta a semelhança entre a filosofia clínica e os ensaios.
O traço singular da escritura
desse autor é mantido como em suas obras anteriores, Pérolas Imperfeitas e A
Palavra fora de si. Ernest Cassirer afirma que “Toda forma de espírito
verdadeiramente original cria a forma linguística que lhe é apropriada” (Apud:
Conversações, 2023, p. 94). Hélio Strassburger escreve num fluxo de consciência
que faz lembrar Clarice Lispector. Previsível esse deslocamento longo ao ler um
texto cuja proposta é uma conversação entre Filosofia Clínica e Literatura.
Percebe-se um “diferente” no penúltimo lançamento, Filosofia Clínica: anotações
e reflexões de um consultório, em que o autor revela seu potencial de
historiador da Filosofia Clínica, com registros mais objetivos, exatos e pessoais,
também notado nas Conversações, no capítulo intitulado Filosofia Clínica e
Discurso Existencial.
Para os que já leem Hélio
Strassburger, um encontro entre amigos. Para os que não conhecem sua escritura,
o desafio de se aventurar numa viagem pelo inusitado, um passeio por um bosque
desconhecido. As imagens construídas por essa escrita livre e tão própria
conduzem à sensação de um passeio “...[na] calçada por onde o personagem
passa...” (Conversações, 2023, p. 45) e revelam a delicadeza desse autor
sensível, porém rigoroso nas questões que defende.
Um autor que mais que usar os
vice-conceitos, os cria com maestria, além dos títulos originais dos capítulos
como Leitor Vagamundo, Pretéritos Futuros, proporcionando ao leitor sensações diversas
de surpresa, descoberta, imaginação, estranhamento e desconstrução. São
capítulos curtos de duas páginas, na sua maioria, mas com intensidade
suficiente para prender a atenção do leitor. Corroborando o que escreveu
Dionéia Gaiardo, nas orelhas da obra, um livro para filósofos clínicos,
leitores de literatura, curiosos, e acrescentaria, para escritores.
Mesmo a viga mestra do texto
sendo a filosofia clínica em diálogo com a literatura, salta aos olhos um competidor
forte ao Oscar de melhor enredo, a escrita, quase colocando seus concorrentes a
esse posto, como coadjuvantes. Fica a mensagem, a ideia: escrever para não
morrer; ler para viver; filosofar para existir.
Hélio Strassburger, além de ser
um filósofo clínico, é um devorador de livros e a literatura, de fato, auxilia
esse papel existencial que promoveu o florescimento do escritor. Aos amantes da
literatura, fica uma longa, vasta e variada lista de títulos como informação
dirigida já no corpo do texto e nas referências bibliográficas. Esse último lançamento,
pela Editora Sulina, oferece aprendizado em filosofia clínica, na arte de ler e
escrever, e convida a reflexões importantes. Não foi possível escrever uma
resenha padrão desse livro. Acontece um fluxo e segue-se no ritmo da escritura
contagiante do texto. Tampouco é fácil finalizá-la.
A melhor forma é utilizar da
própria literatura para fazê-lo e concordar com a autora Margaret Atwood, que através
de sua personagem principal, contrariando a lógica matemática, professa que “Um
mais um mais um mais um não é quatro. Cada um permanece único, não há nenhuma
maneira de uni-los em um só. Não podem ser trocados um pelo outro. Não podem substituir
um ao outro.” (O Conto da Aia, 2017, p.230).
*Jandira Ramiro de Souza*
Filósofa. Filósofa Clínica.
Niterói/RJ
ramiro_jandira@id.uff.br
**Texto publicado na edição verão 2023/2024 da Revista Casa da Filosofia Clínica.
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