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O Ser Humano é a Medida de Todas as Coisas*

Filosoficamente, esta frase foi combatida por Sócrates no diálogo Teeteto, que lida com o conhecimento ou aquilo que é conhecimento, que em filosofia chamamos de epistemologia, ou seja, o estudo sobre o que é o conhecimento e como justificá-lo. Fundamentalmente, conhecimento – episteme – é diferente de opinião – doksa.

Para que possa haver conhecimento, como dirá Aristóteles anos mais tarde depois de Sócrates, a investigação há que se fundar em algo que seja universal e firme, pois não se faz ciência de opiniões e de casos particulares ou singulares. Pois um dos aspectos fundamentais do conhecimento é sua comunicabilidade.

Se aquilo do qual temos ciência, se desvanece em minha própria subjetividade ou se desfaz logo depois de eu ter tido “contato” com ele, então é incomunicável, não replicável e influenciado pelas contingências ou da minha subjetividade ou das circunstâncias ou do próprio acaso.

Por isso, neste diálogo, Sócrates combate esta frase de Protágoras, o maior sofista conhecido na antiguidade, porque esta frase afirma que o conhecimento ou a verdade está fundada na subjetividade de cada pessoa, portanto, para afirmar um conhecimento a pessoa deveria apenas afirmar que como é assim para ela, então é assim na “realidade”.

Obviamente que filosoficamente é importantíssimo combater o subjetivismo epistemológico e ter, além da subjetividade, controles externos e internos de validação, revalidação, experimentação e reafirmação desses experimentos através de metodologias que possam ser usadas em outros contextos e por outras pessoas, para se poder afirmar qualquer conhecimento ou verdade.

Até aí, tudo certo. Mas na terapia da filosofia clínica, esta frase protagórica é um dos fundamentos que sustenta a viga principal da metodologia, a singularidade. Como afirmação desta frase de Protágoras, a filosofia clínica também traz outro autor mais contemporâneo que, embora com suas diferenças conceituais e circunstanciais, afirma mais ou menos a mesma coisa. Este filósofo é Arthur Schopenhauer, que no seu livro Mundo como Vontade e Representação, diz que não conhecemos o mundo ou as coisas do mundo, mas somente a representação que temos delas. Ou seja, criamos nosso próprio mundo singular o qual tem nossas medidas, nossa régua.

Na filosofia clínica afirmamos o subjetivismo e vamos “contra” a disputa aberta por Sócrates na Grécia antiga. No entanto, este subjetivismo na terapia da filosofia clínica não tem nada a ver com a verdade, com o conhecimento ou com os valores morais, mas é mais “técnico”.

O subjetivismo na terapia da filosofia clínica afirma que cada indivíduo ou sujeito ou pessoa tem suas características próprias que estão completamente mescladas em seu horizonte existencial, ou seja, o mundo em que vive, atua, pensa, sente, interpreta. A singularidade em filosofia clínica é técnica neste sentido, pois atua como uma perspectiva da estrutura interna de cada um como irrepetível é incomparável com qualquer coisa fora dela mesma.

O próprio dicionário comum diz que singular ou singularidade pode ser descrita como uma qualidade ou adjetivo atribuído a um ser vivo que seja singular, que se diferencie do restante dos seus semelhantes, seja por suas atitudes ou por outras características que não tenham pluralidade. Ou seja, possui a característica de ser único, que o distingue dos demais, extraordinário.

Não poderia ser mais simples e sem complicação a explicação de singularidade em filosofia clínica. Não há fundamentação ontológica, social, política, antropológica, apenas a constatação de que cada um é irrepetível e incomparável em sua constituição interna de acordo com a relação que tem com sua história de vida.

Por isso a subjetividade em filosofia clínica não ofende as questões filosóficas a respeito do conhecimento ou da verdade ou dos valores morais. Estamos em outra perspectiva, estamos na prática terapêutica e temos com pré-juízo fundamental para nossa prática que cada pessoa, ser, indivíduo é singular, único, extra-ordinário em sua estrutura interna. E só a partir deste pré-juízo é que se pode compreender o outro como outro sem realizar interferências com tipologias, perfis, diagnósticos que não dizem nada do singular, mas o colocam em um grupo onde ele se confunde e perde exatamente sua característica de singular.

*Prof. Dr. Fernando Fontoura

Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Escritor. Palestrante. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.

Málaga/Espanha

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