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Revista da Casa da Filosofia Clínica Outono 2022 - Ed.00

Revista Casa da Filosofia Clínica - Outono 2022 [ LEIA AQUI! ] Essa publicação se propõe ao esclarecimento sobre os rituais da formação: teoria, clínica pessoal, supervisão, formação continuada. Para quem vem chegando, BOA LEITURA. Para quem já está no caminho, BOA RELEITURA. CLIQUE PARA LER

Saber ouvir é quase conversar em silêncio*

Certa vez estava fazendo uma palestra e, com o canto do olho, percebi uma movimentação estranha na platéia do auditório. Não consegui prestar muita atenção porque estava focado na minha fala, mas deu pra ver que era restrito a um pequeno grupo de pessoas, especialmente uma criatura que não parava de se movimentar. Quase interrompi meu discurso para solicitar que a pessoa ficasse quieta, mas por sorte, ou por uma apreciação mais demorada, constatei que se tratava de um grupo de surdos que estavam acompanhando minha palestra através de um tradutor, que   utilizava   gestos e sinais para se comunicar na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). Por pouco não cometi uma desfeita com aquela comunidade que ali estava por um admirável projeto de inclusão social. Nossa vida é muito barulhenta. A cidade faz barulho. As pessoas fazem barulho. Ouvimos alaridos, buzinas, motores, tambores, rádios, gritos, choros, sirenes. Ao que parece, já nos adaptamos no meio da zoeira. Só que o barulho faz c

Especulações sobre loucura alguma*

  "Não sabia estar em transição ? Desejava algo melhor do que transformar-se ? Se algum ato seu for doentio, lembre-se de que a doença é o meio de que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho"                                                             Rainer Maria Rilke                     Uma fenomenologia da loucura costuma apresentar-se a partir de saberes pré-históricos da alma humana. Um lugar privilegiado onde as origens primitivas vão (re) significando-se, a partir do ser em instantes de não-ser. Por essas crises anuncia-se a hora de mudar, constituindo tempos e momentos de desconstrução acelerada dos antigos endereços existenciais.   Decifrar os enigmas dessa natureza de aparência incompreensível escapa de forma inteligente às tentativas de diagnóstico da tradição. Subjetividades em processo de mostrar e esconder, revelando antíteses com contextos adversos a sua expressividade. As imagens da desestruturação costumam refletir um sujeito desconh

Enlevecer*

  Brisa Pena flutuante Sem ter que…   Leveza da alma Cabelos grisalhos Liberdade Para viver desejos   Sair da fôrma Romper a forma Aceitar o Ser   na loucura no avesso em verso na rebeldia nada no todo transverso   Riso solto Sem amarras Bem Emília de Lobato Frida de Rivera   Por que não? Ir e vir Ficar na quietude no silêncio no tempo fora do tempo   Encolher Desapegar Viver pelo simples viver   Gozar o prazer Singular Sem regras Sem normas Apenas … Enlevecer!   *Dra. Rosangela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Palestrante. Artista Plástica. Filósofa Clínica. Poetisa da Academia Juiz-forana de Letras.   Juiz de Fora/MG

O tempo da terapia*

  É possível dizer quanto tempo vai durar a terapia de alguém? Segundo a perspectiva da filosofia clínica, a resposta é clara: não! Pois vai depender de cada pessoa, uma vez que consideramos cada pessoa singularmente, isto é, única. Mas, é possível aprofundarmos um pouco nessas considerações. Em primeiro lugar, o filósofo clínico precisa de um tempo para conhecer seu partilhante – nome dado a quem procura os cuidados do filósofo clínico. Esse conhecer é um movimento compreensivo do mundo de seu partilhante (realizado pelos exames categoriais) sua constituição própria (sua estrutura de pensamento) e o modo como age interna e externamente para viabilizar quem se é (seus submodos). Antes de tudo, o filósofo clínico ouve o assunto que levou o partilhante a procurar a terapia. Não há um tempo delimitado para findar esse relato. Ele pode durar tanto cinco minutos quanto se estender por várias sessões. Esse relato, assim como tudo o que o partilhante trouxer para o consultório, é relevant

Quando a Filosofia é Cura*

Notadamente brasileira, mais especificamente gaúcha, da província Rio Grande do Sul, a Filosofia Clínica surgiu na década de 1990 com muito estranhamento e incompreensão. Como sempre ocorre com toda metodologia inédita, sofre descrédito e alguns ataques pusilânimes. Tive a sorte de frequentar uma das primeiras turmas na cidade de São João del-Rei, em inícios dos anos 2000 e fui ver de perto a aplicabilidade, ao menos teórica. As aulas foram ministradas pelo competente e carismático Hélio Strassburger e resumindo o máximo para caber em uma resenha, a abordagem ia além da filosofia de aconselhamento e mergulhava fundo na investigação das causas de nossas estruturas de pensamentos e dores existenciais. Adendo: sempre que utilizar o negrito trata-se de definição da nova disciplina. Assim sendo, nos referíamos ao termo como EP. Mas cabe aqui uma ressalva; os detratores foram alguns psicólogos e psiquiatras, que viram na abordagem da disciplina uma concorrência desleal. A grande batalha

Humanidade Encapsulada*

Vocês já  se depararam com profissionais que, de tão padronizadamente mergulhados no papel que representam, se pasteurizam tanto a ponto de encapsularem sua humanidade?! Há muito os tenho encontrado, nas mais diversas áreas. Percebo-os muito próximos, invadindo territórios esquecidos, não cultivados, abandonados. O assombroso é que o mercado não só ainda anseia como replica esses perfis, não raro fruto de linha de montagens do tipo: transforme-se em oito passos e seja você o sucesso! Sucesso que se traduz comumente no endosso do mesmo, ainda que travestido de diferente. Por um certo momento eu de fato pensei que essa Pandemia fosse suavizar o arrogante rompante de tudo conhecer e dominar. De reduzir visões de mundo ao enquadramento de nossos gostos e preferências, hermeticamente vedados e selados como se verdade fossem. A mais pura e absoluta. O resto é resto e que se dane, melhor ignorar… Nesse abissal individualismo o outro é aceito como igual, desde que reitere caminhos e nã

Uma arte de compor raridades*

Um novo lugar surge da interseção entre duas ou mais estruturas de pensamento, vínculo de convivência animado pela diversidade dos encontros. Essa nuance discursiva passa longe de um molde universal, incabível ao método da Filosofia Clínica.  A partir de uma sensação estranha, protagonista em uma história inédita, algo mais pode acontecer. Num esboço existencial compartilhado se apresenta alguém em vias de tornar-se. Ao olhar fenomenológico do Filósofo, acolhendo e descrevendo essas narrativas do Partilhante, se faz possível acessar esses desdobramentos de natureza singular. Eventos onde aparece e se elabora aquilo até então sem espaço para se contar.   Na perspectiva de um e outro, esse instante aprendiz qualifica o olhar sobre o mundo que o constitui e por ele é constituído. Ao acrescentar linguagens, desvendar rotas, emancipar territórios, revela uma arqueologia expressiva sob os escombros do antigo vocabulário. O conceito de singularidade, ao ser inclusão, se faz paradoxo às lógica

Linguagem e Singularidade*

A noção de linguagem que Wittgenstein apresenta nas suas Investigações Filosóficas, cuja concepção é a de que o significado das palavras depende de seu uso na linguagem, em Filosofia Clínica se traduz como um dos princípios dos cuidados de que deve ter o filósofo clínico na sua atividade clínica, nas acolhidas existenciais a que se dispõe, e que, adversamente às técnicas tradicionais da psiquiatria ou das psicologias tradicionais - que não fazem senão hermenêutica sobre o discurso ou expressividade do indivíduo – permitirá guardar o sentido mais original da palavra no contexto discursivo do sujeito, ou seja, respeitando ou limitando-se a entendê-lo a partir e à medida de um sujeito em seu território. Sendo um projeto único, permite-se acessar todo um vocabulário, recheado de significados singulares para cada expressão de sua semiose. Aquilo a que chamou “jogos de linguagem” refere-se, segundo o próprio Wittgenstein, aos vários usos das palavras e ao conjunto das atividades com as quais

O que é a Filosofia Clínica ***

A Filosofia Clínica, em uma nova abordagem terapêutica, é a filosofia acadêmica adaptada à prática clínica, à terapia. Não trabalha com critérios médicos, com remédios ou com tipologias na construção de uma proposta terapêutica cujo objeto é buscar o bem-estar do ser humano. O instrumental da Filosofia Clínica divide-se em três partes: os Exames Categoriais, a Estrutura de Pensamento e os Submodos. Nos Exames Categoriais, primeiro momento da clínica, através da historicidade, o filósofo clínico situa existencialmente a pessoa colhendo todas as informações de sua vida, desde as suas recordações mais remotas, até as informações de suas vivências mais atuais.   O material colhido, na história da pessoa atendida - que em Filosofia Clínica é chamada de partilhante, justamente pela condição de ser alguém com quem o filósofo compartilha momentos da existência -, é a base para o desenvolvimento do processo terapêutico.   A partir desses dados, num segundo momento, são verificados os tópicos da

Prática da Filosofia Clínica*

“Nesse sentido, a nova abordagem possui uma representação diferenciada do fenômeno humano; as pessoas passam a ter nome, sobrenome, uma história de vida singular, linguagem própria, expressividade peculiar, estabelecendo um abismo com as lógicas da tipologia, da classificação desumana dos manuais psiquiátricos, os quais, ao oferecer diagnósticos, prognósticos, curas, normalidades, destituem a pessoa de seu ser sujeito em ação.” – Hélio Strassburger em: “ Filosofia Clínica: anotações e reflexões de um consultório ”. Ed. Sulina. Porto Alegre/RS. 2021 Pode ser que muitos que não sejam terapeutas e leiam as linhas acima.   se perguntem, meio frustrados ou estupefatos pela afirmação feita, “Mas não é assim com qualquer terapia séria? Não é assim que todas fazem? Como poderia uma terapia ser diferente disso? Então, qual é a vantagem da filosofia clínica ao afirmar tudo isso?” Vamos começar pelo maior contraste, já que, às vezes, o mais próximo é o mais difícil de enxergar as nuances. Hél

Coleção de Filosofia Clínica da Editora Vozes. Mais uma parceria de qualidade com a Casa da Filosofia Clínica.

 

Prendedor de Sonhos*

“pedaço de mar, iça, onde moras, sua capital, a inocupável.”     Paul Celan                                                       Vou no som do murmúrio das águas, das mãos estendo histórias sobre o dia até o sol se pôr. Da voz escorre a umidade das letras em pele e olhos negros se perdendo nas entranhas do tecido. Das vestes, cores roçando o corpo e dedos que dedilham mais uma pintura da carne, o toque na tela, um riso perdido no ar, o arejar das pernas no vento que traz o aroma da eternidade do tempo. Pendurar a vida nas cercas da casa próximo ao mar, deixar escorrer na leveza do amor morto na natureza, dormir relendo o noturno da insônia do ano que não acabou. Acordar em frente à janela escancarada do novo dia, um cheiro vindo da manhã com café e calor. O vento de chuva passou longe de meu sonho, do suor da vida acumulada pela idade, o correr cedo para ir nadar em fuga do que já é mofo, molhar a alma, folhear as ideias em nascentes de rios e livros que insistem em viver. Sec

Recortes do Cotidiano*

“(...) O rosto do silêncio é o olhar que se percebe através dele. São muitas as mensagens à espera das representações de não-dizer. Natureza de difícil acesso em seus contornos mutantes. Costuma deixar pistas nos sussurros contidos por entre os espaços da intencionalidade. Lá onde o indizível se contém em enigmas de silenciar. (...) Lugar para relação da liberdade reflexiva com uma sublime aptidão criadora. Espaço para reorganização do mundo. Tempo de seguir os vôos e mergulhos com esses fenômenos de aparência desestruturada. Um vislumbre para a intuição de originalidades contidas entre o ser e o nada da condição humana. Contradição em curso na negação que os afirma.                                                                           (...) Aparente vazio onde a inspiração inscreve suas ideias e delírios em forma de traço. Onde o ser se objetiva além da palavra. Interseção das ausentes realidades com o silencioso abandono das horas. As expressividades do silêncio podem elabora

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