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Pretéritos Imperfeitos*

“A experiência trivial do dia a dia sempre nos confirma alguma antiga profecia (...)”          Ralph Waldo Emerson   Existem eventos que possuem um começo sem fim. Perseguem uma in_de_termin_ação futura na travessia pelas antigas pontes. Neles é possível vislumbrar uma sombra suspeita, como algo mais a perturbar a lógica bem ajustada das convicções. Assim a grafia parece se orientar por um ontem a perdurar. Atitude rarefeita de olhares a perseguir buscas contaminadas. Esse contágio parece querer singularizar a pluralidade de cada um. Aprecia a menção de fatos acontecidos no prolongamento do instante. Aparecem como atuação simultânea de um em outro, seu paradoxo dilui-se numa dialética de integração.    Uma de suas características é realçar fatos no momento em que ocorriam. Essa incerteza quanto ao amanhã, parece coincidir com o desfecho provisório de seu inacabamento.   Nessa terra de ninguém uma infindável trama de acontecimentos se refugia. Parece com algo que não se deixa

O que é Filosofia Clínica ?*

A Filosofia Clínica foi criada pelo médico gaúcho, Lucio Packter que, insatisfeito com algumas abordagens terapêuticas, na década de 80, pôs-se a viajar pelo mundo em busca de novos métodos para conhecer e cuidar o ser humano em sua integralidade. Mesmo conhecendo a filosofia de aconselhamento na Europa e a filosofia prática, nos EUA, iniciou suas próprias pesquisas, resultando no que chamou de Filosofia Clínica.   A Filosofia Clínica é uma abordagem terapêutica que visa trabalhar as questões existenciais do paciente que, em Filosofia Clínica, é chamado de partilhante, porque na dinâmica da clínica filosófica, o que existe é uma construção partilhada que se dá através da interseção (modo de relação) de ambos na busca por um conforto existencial. É Filosofia porque parte da inspiração de seu método a partir da pesquisa dos filósofos ao longo da história do pensamento ocidental. É clínica porque pretende ser aplicada ao todo do homem, do sujeito que procura a terapia, na intenção de

As dores e as delícias do estudo da Filosofia Clínica*

Andei perdida de textos escritos, pensei que esse lado escritora meu havia se perdido por entre a vida corrida do dia a dia. As palavras iam e vinham na minha mente, mas eu não conseguia capturá-las com precisão. Terminando a pós esse ano me deparo com o trabalho final e petrifico entre mil e uma ideias. Conflitos, incertezas, questionamentos, dúvidas quanto a tudo o que aprendi e tudo que experienciei... Sinto-me mais conhecedora das minhas sombras e da minha luz. Entretanto, questiono o porquê dessa escolha dentre tantas outras que envolvem a filosofia. Sempre tive vocação para as questões existenciais, seja na minha representação de mundo, como na representação de mundo de outros. Mas vir a ser - filósofa clínica - é uma tarefa delicada que me faz temer muitas coisas. Ser cuidadora é algo muito frágil e precioso. Tenho percebido carências tão primárias nas pessoas com as quais convivo que penso se realmente há uma segurança de "melhor viver" através de qualquer terapia

Aparências enganam*

Aparências enganam. Palavras também. Parecia um casal em perfeita harmonia, conversavam bastante, discutiam a relação, mas por baixo dos lençóis as coisas não estavam bem.   Aos poucos o “eu te amo” foi sendo trocado pelo “se cuida”, o beijo apaixonado foi reduzido a um selinho, o abraço apertado virou um tchau com cara de adeus. Decidiram então que já não se amavam, os corações não mais se encaixavam e não precisariam ficar a espera de um final penoso e litigante. O melhor que tinham a fazer era a separação.   Decidiram também que o melhor para eles seria não se encontrarem dali para frente. Trocaram olhares profundos, palavras de desfecho,   fizeram as divisões necessárias   e nunca mais se viram.   Os bens materiais foram repartidos como se estivessem jogando cartas, metade para cada um quase que aleatoriamente, sem desentendimentos.   A desarmonia surgiu na sutileza do imaterial e impalpável.   Visto que não queriam mais se encontrar, precisavam repartir também a cidade. Um

A matemática simbólica e a singularidade**

  A novidade da filosofia clínica é a afirmação da singularidade. Cada partilhante é critério de si, a partir de sua historicidade, fornecendo parâmetros à realização dos procedimentos clínicos ao terapeuta. Mas, alguns desdobramentos dessa abordagem terapêutica são questionáveis. Refiro-me a questões relativas à matemática simbólica.    Para refletirmos, uso a filosofia clínica como o método para melhor explicá-la, corrigi-la e desenvolvê-la. As linhas seguintes demandam concisão. Considero a filosofia clínica capaz de compreender formulações complexas ao analisar suas composições estruturais. No início da “Filosofia Clínica: propedêutica”, Lúcio Packter destinou as primeiras linhas para explicar o contexto histórico que permeou sua vida no período no qual iniciava suas pesquisas para a sistematização daquilo que mais tarde receberia o nome de filosofia clínica. A categoria circunstância descrita pelo autor nos ajuda a suspeitar que como o mundo parece é um tópico determinante em

Prática em Filosofia Clínica*

“Nesse sentido, a nova abordagem possui uma representação diferenciada do fenômeno humano; as pessoas passam a ter nome, sobrenome, uma história de vida singular, linguagem própria, expressividade peculiar, estabelecendo um abismo com as lógicas da tipologia, da classificação desumana dos manuais psiquiátricos, os quais, ao oferecer diagnósticos, prognósticos, curas, normalidades, destituem a pessoa de seu ser sujeito em ação.” – Hélio Strassburger em Filosofia Clínica: anotações e reflexões de um consultório. Ed. Sulina. Porto Alegre/2021.   Pode ser que muitos que não sejam terapeutas e leiam as linhas acima se perguntem, meio frustrados ou estupefatos pela afirmação feita, “Mas não é assim com qualquer terapia séria? Não é assim que todas fazem? Como poderia uma terapia ser diferente disso? Então, qual é a vantagem da filosofia clínica ao afirmar tudo isso?”   Vamos começar pelo maior contraste, já que, às vezes, o mais próximo é o mais difícil de enxergar as nuances. Hélio já c

Poéticas do amanhã*

                   “Antes eu era transparente, agora sou cheio de cores”                                                                                                                                                                    Arthur Bispo do Rosário   A inédita conversação nos recantos da palavra delirante possui característica de anúncio. Sua perspectiva de grande abertura oferece derivações a insinuar vontades e perseguir refúgios existenciais. Uma filosofia dos devaneios sugere novas menções. O hospício cotidiano, esse lugar legitimado por força de lei, atualiza seu discurso em paradoxos com olhares desfocados. Enquanto a enfermaria multiplica a fenomenologia dos delírios, o lugar reinventa a camisa de força da normalidade e persegue os poetas enlouquecidos pelo não dizer. No caso da vírgula contida nesses atalhos, dizeres desconsiderados prosseguem em rituais de ilusão. Sua estrutura significante faz referência aos incríveis vislumbres, numa palavraria sem sentido

O que é ser saudável?******

Se existisse isso de ser saudável e talvez a pessoa dissesse sempre aquilo mesmo que pensa, trabalharia em algo que tem a ver com ela, teria amizades por afinidade, faria amor com quem ama. Existisse mesmo a pessoa saudável e Deus estaria com ela, os pássaros viriam ter com ela nas janelas e as janelas se abririam para o mundo. As crianças teriam escola e cresceriam com esperança - que não seria mais uma utopia. Os velhos seriam então apenas velhos e os adolescentes teriam a descarga adequada para seus dez mil hormônios. Haveria ainda solidão, tristeza, medo, ansiedade, é claro, e por que não ? Mas apenas às vezes, e seriam desejáveis porque ensinariam. A pessoa ficaria triste porque ocasionalmente isso é parte da vida, mas não estaria costumeiramente triste. Existisse a pessoa de fato saudável e eu não precisaria escrever este artigo, não teríamos livros de auto-ajuda nem de hetero-ajuda, as escolas de psicologia virariam respeitáveis museus e os médicos tratariam de consertar s

Revista da Casa da Filosofia Clínica Verão 2022 - Ed. 03

  Revista Casa da Filosofia Clínica - Verão 2022 CLIQUE PARA LER Chegamos ao verão com mais uma publicação, onde as palavras buscam decifrar e interagir com esse imenso universo subjetivo, que se reapresenta a cada dia em novas e desafiadoras formas de expressão, nem sempre acessível pelo vocabulário conhecido. A TODOS BOAS LEITURAS E RELEITURAS CLIQUE PARA LER

Introdução à Filosofia Clínica de Miguel Angelo Caruzo tem uma nova edição*

Parabéns e gratidão a todos os envolvidos nesse trabalho! A coleção de Filosofia Clínica, parceria da Casa da Filosofia Clínica com a Editora Vozes, concede a obra do Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo, um justo reconhecimento (pela nova edição/reimpressão) do seu livro, em menos de um ano após o lançamento! Hoje já são mais de 1.000 exemplares distribuídos no Brasil e exterior. Gratidão a todos os envolvidos com mais esse projeto de excelência da Casa da Filosofia Clínica.  Parabéns ao Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo, pelo sucesso de sua primeira obra na coleção! *Hélio Strassburger Coordenador da Coleção  

Uma perspectiva prática da recíproca***

  A metodologia da Filosofia Clínica contempla elementos que constituem a estrutura de pensamento e os modos de agir de cada pessoa. Alguns elementos, como a inversão e a recíproca, podem estar tanto na espacialidade intelectiva quanto nas ações do indivíduo. Simplificadamente, inversão é o movimento de trazer o outro ao seu próprio mundo, enquanto a recíproca é ir em direção ao outro. No espaço terapêutico, a recíproca pode fazer parte da qualificação da relação terapeuta/partilhante, sendo utilizada pelo terapeuta que escuta, acolhe e, principalmente, se isenta de suas perspectivas do mundo e das relações diante do discurso existencial do partilhante. Assim, considera essencialmente o outro para possibilitar o espaço da construção compartilhada. Em um esboço preliminar, através do discurso existencial do partilhante, a recíproca pode aparecer como tópico importante da estrutura de pensamento. Com a evolução do tempo terapêutico, através do acesso à historicidade, às circunstância

Um olhar para a singularidade***

  Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida se insinua de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leve das bagagens impostas. Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobre

O que faz da Filosofia Clínica, filosofia?*

Em diversos lugares é possível ler a seguinte afirmação: “A Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica aplicada à clínica” ou “Filosofia Clínica é filosofia porque é baseada em 2500 anos de filosofia” ou “A Filosofia Clínica tem seu fundamento no pensamento dos filósofos, só que adaptados à clínica”, só para citar alguns. Entretanto, essas afirmações dão ao senso comum ou a alguns filósofos, que ficam de “plantão” em busca de algo para criticar sem fundamentos, uma compreensão mal concebida. A impressão inicial parece ser que se toma a filosofia ou o pensamento dos filósofos e se aplica a clínica, e a única modificação parece ser a finalidade. Pois, os filósofos pretendiam um fim para seu pensamento e a Filosofia Clínica busca trabalhar questões existenciais de seus partilhantes. A questão a ser tratada nesse texto não é fundamentalmente voltada para os filósofos clínicos, mas para os que têm uma compreensão errada que uma apresentação limitada pode oferecer em relação ao entendimen

Escritura sub-versão*

A escritura aparece como um fenômeno incapaz de aprisionamento. Seu estorvo fundamental consiste na contradição ao discurso socialmente bem ajustado. Sua busca de ser um processo criativo recheado de novas imagens, mensagens, desvãos, aprecia desconstruir caminhos de pretensão definitiva. A partir de si mesma inaugura estilos, idioletos, compartilha estéticas a deslizar epistemologias. Seu não ser reivindica um mundo no esboço de ser original. O discurso alienado é ensinado desde cedo nas escolas da infância existencial. A expressividade que anunciaria o sujeito singular costuma ser diagnosticada, internada, exilada de sua melhor condição. Os desvios assim são tratados a golpes de farmácia, propõem a normalização alienista. A sub-versão dos códigos reconhecidos aprecia a polissemia de um dia qualquer. Sei viés simbólico convida a vislumbrar e refletir sobre as tentativas de mordaça à obra escritura. Seu aspecto fora de si descreve um território inexplorado. Uma trama significat

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