Pular para o conteúdo principal

Postagens

A Terra se move? Considerações da filosofia e da filosofia clínica*

Em 1934, Edmund Husserl escreveu um texto intitulado “A Terra não se move. Investigações básicas sobre a origem fenomenológica da corporeidade, da espacialidade da Natureza no sentido científico-natural primeiro. Necessárias investigações iniciais” (trad. livre).   Não se trata, como se pode inferir apressadamente, de uma negação do movimento da Terra, da ciência moderna, muito menos de um terraplanismo ou alguma bobagem dessa ordem, tão vigente em nossos dias. A proposta husserliana é nos fazer pensar nossa experiência originária (no sentido ontológico) da Terra.   Sob o ponto de vista da ciência, sabemos diversas coisas sobre nosso planeta e o universo: está em um Sistema Solar, na Via Láctea, é um corpo ao lado de incontáveis outros e possui movimentos de rotação e translação.   Mas, a fenomenologia filosófica nos leva a experiência originária, às nossas referências imediatas a partir das quais nos guiamos, vivemos e somos. Nessa experiência imediata, a Terra é um ponto imóvel

Singularidade*

Para a filosofia (obviamente alguns autores, isso não é uma aceitação geral), a singularidade é um exercício, pois nascemos particulares – somos parte de algum grupo, de alguma família, de uma cidade, etc. – e tornamo-nos singulares, com o esforço de imprimir nossa personalidade única. Para alguns, somos universais desde que nascemos, pois fazemos parte do todo seja da humanidade, do universo, da ecologia, etc. Em alguns casos, em uma filosofia ontológica, nossa existência é única porém atrelada a gêneros ou espécies. Tornamo-nos – seja o que for - comparando-nos com outros ou em hierarquia com outros gêneros ou espécies. A Filosofia Clínica tem o pressuposto da singularidade na abordagem com o fenômeno humano, mesmo que o próprio indivíduo que venha até um filósofo clínico não se considere singular. Alguns não querem ser vistos existencialmente como singulares, mas como existindo em grupos ou em conexão com particulares ou universais. Assim se efetivam existencialmente. Para alguns,

Filosofia Clínica e os elementos da inventividade*

A característica central do procedimento clínico Atalho é a inventividade, a doxa, a criatividade. Isso em geral é atestado no convívio com a pessoa, mas deve ser respaldado pela compreensão da historicidade desta. A grande característica das pessoas que utilizam este submodo, e que aparece muito, ao longo da historicidade ou em alguns eventos da vida, é ter por hábito o olhar diferente as coisas que para os outros são iguais.   Algumas pessoas constroem seus Atalhos, ou seja, criam novas saídas na vida através dos impedimentos, dos obstáculos. Isso quando o submodo Atalho estiver associado ao procedimento clínico Em Direção ao Desfecho, mesmo que ainda tenhamos aqui somente os indícios.   Saberemos se o Atalho será ou não producente à pessoa através da história de vida dela. Por exemplo, se a pessoa está inserida em uma instituição dogmática, fechada, provavelmente as questões da dúvida, da interrogação, da busca por alternativas não serão bem recebidas. Podem existir problemas

O discurso de cada um*

  Cada um de nós tem um discurso próprio, uma forma de verbalizar o mundo. Às vezes compreensível, estruturado, coerente, mas tantas outras vezes nem tanto assim. Muitos apenas deixam transparecer o que lhes vai à alma; outros se descabelam de tanta expressão.   Algumas destas expressões são múltiplas e abrangem olhares, toques, sons, paladares e cheiros e também muitos outros sentidos que não podem sequer ser mencionados, tomando a atenção do outro por inteiro. Inúmeras outras expressões, entretanto, se recolhem e se manifestam somente para poucos escolhidos. Muitos mesclam momentos de recolhimento com outros de euforia, nos lembrando que podemos ser imprevisíveis até mesmo dentro de nossa linearidade.   Não há um discurso igual ao outro, como não há necessariamente uma imposição de padrões nos discursos já conhecidos, simplesmente porque estes podem mudar.   Quantas vezes, quando supomos já conhecer nossos partilhantes e fazemos nossos próprios discursos em função desses conhec

Reflexões de um Filósofo Clínico*

(...) A filosofia clínica é uma das respostas? Desde os anos de 1980 (alguns estudos apontam movimentos em décadas anteriores), estudiosos ao redor do mundo começaram a pensar a aplicação da filosofia em atendimentos de consultório. A filosofia clínica é uma dessas propostas. Além disso, ela é genuinamente brasileira, com fundamento e método próprio.  Assim como alguns outros sistematizadores de terapias, Lúcio Packter veio da medicina; mas, como estudioso das psicologias, da neurologia, da psiquiatria e, sobretudo, da filosofia, foi além das compreensões fisiológicas do ser humano.  Os estudos realizados por Packter o levaram a constituir o método da clínica filosófica. Trata-se de um método que nos leva a considerar a singularidade em suas consequências mais radicais: cada pessoa é única, assim como seu contexto, sua história, sua estrutura e seu modo de viver.                                                    ************************ Como assim? A filosofia clínica não tem pa

Uma arte de compor raridades*

Um novo lugar surge da interseção entre duas ou mais estruturas de pensamento, vínculo de convivência animado pela diversidade dos encontros. Essa nuance discursiva passa longe de um molde universal, incabível ao método da Filosofia Clínica. A partir de uma sensação estranha, protagonista em uma história inédita, algo mais pode acontecer. Num esboço existencial compartilhado se apresenta alguém em vias de tornar-se. Ao olhar fenomenológico do Filósofo, acolhendo e descrevendo essas narrativas do Partilhante, se faz possível acessar esses desdobramentos de natureza singular. Eventos onde aparece e se elabora aquilo até então sem espaço para se contar.   Na perspectiva de um e outro, esse instante aprendiz qualifica o olhar sobre o mundo que o constitui e por ele é constituído. Ao acrescentar linguagens, desvendar rotas, emancipar territórios, revela uma arqueologia expressiva sob os escombros do antigo vocabulário. O conceito de singularidade, ao ser inclusão, se faz paradoxo às lóg

Visitas