"Com as grandes obras, os sentimentos profundos
significam sempre mais do que têm consciência de dizer." (Albert Camus)
Não se trata de inconsciente. O assunto aqui é o
reconhecimento da limitação humana. Camus postula que o mundo é um absurdo.
Este se dá com a incompatibilidade da razão em querer compreender a ordem e o
todo do mundo, com o mundo e sua impossibilidade de ser completamente abarcado
pela razão.
Um filósofo clínico compartilha da limitação com que
o filósofo do absurdo postula. Mas, essa concordância é referente à pessoa
humana. Dado que esta não pode ser totalmente abarcada pela razão.
O partilhante é um mundo a ser desvelado. Não mais
em sua totalidade, mas no que for possível para auxiliá-la em sua existência.
Há ausência de verdade absoluta, talvez uma das
afirmativas mais polêmicas da Filosofia Clínica. Há representação singular do
mundo, mesmo que à primeira vista tente-se buscar um ponto de vista no âmbito
coletivo.
Ir fundo no que o partilhante tem a dizer é um
caminho árduo. Permitir-se deixar, mesmo que temporariamente, as próprias
representações com seus devidos valores, é um esforço que precisa de muita
prática. A proposta da clínica filosófica é encontrar existencialmente o outro
e buscar auxiliá-lo em seus conflitos.
No entanto, não somente nas grandes obras, mas,
também, na individualidade as diversas formas de expressão “significam sempre
mais do que têm consciência de dizer”. O próprio partilhante busca ajuda por
não estar ciente de sua estrutura de pensamento e de seus respectivos
conflitos.
O filósofo clínico, tal como um leitor dos grandes
clássicos, deve aprender a observar nas entrelinhas do que é expresso. Ler a
integralidade do que está exposto. Em seguida, buscar o dito no não dito.
Enraizar em pontos não explorados. Encontrar conflitos apresentados no assunto
imediato, no assunto último.
Deve saber, portanto, que o apresentado pelo partilhante
é sempre maior. Igualmente é sua vivência. Mas, ao apreender o máximo possível
do partilhante, o filósofo adquire a possibilidade de compreender sua
linguagem. E ao compreendê-la falar a sua língua, busca expressar algo próximo
de sua representação de mundo.
Reconhecendo a limitação de se chegar ao universo
existencial do outro, o filósofo clínico pode trabalhar na possibilidade do que
lhe é oferecido na partilha.
*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Educador. Escritor. Filósofo Clínico
Tersópolis/RJ
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