“(...) certas
conquistas da alma e do conhecimento não podem existir sem a doença, a loucura,
o crime intelectual (...).”
Thomas Mann
A estética do delírio é
uma das maneiras da natureza exercitar seus dons, transgredir definições,
emancipar horizontes, transbordar limites. Via de exceção por excelência, esses
milagres possuem linguagem própria, nem sempre acessível. Esse vagar incompreendido
pelo mundo das ideias se desdobra nas fendas dos padrões discursivos. Uma
expressividade assim poderia ficar impronunciada, refugiada nalguma peça de
ficção, desconsiderada pelo saber especialista.
É admirável ao
vislumbre descritivo, a interseção onde ingenuidade e descoberta se tocam. Seu
momento de atração irresistível sugere, entre influência e agendamento, novos
roteiros de saber incerto. João do Rio:
“A rua continua, matando substantivos, transformando a significação dos termos,
impondo aos dicionários as palavras que inventa” (A alma encantadora das ruas,
1997. P. 29)
Os achados inéditos se
oferecem num teatro cotidiano, quase invisível por sua simplicidade e
sofisticada objetivação. Dele saltam inúmeros personagens, de cena difusa,
surreal e a modificar quase imperceptível os atores, a cena, a própria história
de seu entorno acontecendo.
Um viés
intuitivo_delirante faz referência ao absurdo continente invisível ao derredor.
Façanhas que ficariam desconhecidas, não fora o desatino inaugural a se
oferecer em lógicas de anúncio.
Para qualificar a
relação com a singularidade desses eventos é impreciso estar no lugar inédito
de todo lugar. Ao se entrevistar com esse esboço quase invisível, muitas vezes
fugaz, de aspecto estranho, foco desajustado, se reivindica o outro,
estruturado numa frequência semelhante. Honoré de Balzac: “Há delicadas
voluptuosidades que não podem ser saboreadas senão entre duas criaturas, de
poeta a poeta, de coração a coração” (As ilusões perdidas, 1993, p.33).
Assim é impreciso
sentir_visar, pela via da reciprocidade, os conteúdos inexplicáveis,
desconsiderados lá onde sua nascente é margem de uma geografia conhecida. Ao
dialogar com o espírito de multidão em cada um, é possível o conhecer aprendiz
das múltiplas possibilidades.
A reestreia diária da
qual se ocupa o fenômeno humano supera as entrelinhas de seu próprio devir. Ao
surgir exilado nas próprias circunstâncias, descreve eventos ainda sem
tradução. Aos novos rascunhos existenciais, sugere a inspiração dos pretextos.
*Hélio Strassburger
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