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Desideias*



Só o meu é o caminho do
meio.
Já que só a mim me vejo ali.
Nem a direita, ou a esquerda, ou ao alto, ou abaixo, outrem vejo eu...
O caminho do meio é ermo.
Nem o tabaco de Buko, nem o legado de Buda.
É caminho que não se trilha
trilha que não se abriu...
nem os bebês cor de rosa
nem as rosas do tango cálido!
Melancólico até é
e não...
Já que aporta minha alegria caduca
de quem está cabeluda de saber
que não se tem mais a se tirar do mundo,
por ninguém que esteja vivo, pisando sobre o planeta...
É solitário, mas não é só - ou o contrário, sei lá...
Tem a sombra amiga e perigosa das minhas convicções nada inflexíveis,
no entanto fartas de conhecer que não há grande margem pra mudar segundo se pensa
dos outros lados onde transitam os demasiado crédulos, que se dão ao desfrute da demasiada ilusão!
O verdadeiro caminho do meio, não aporta o equilíbrio dos buscadores, nem a descompensação dos viciados...
Distingue-se diametralmente desse outro de que tanto falam os compassivos, no uso da mesma expressão...
E ainda mais daquele que leva ao abismo como a um troféu, na penumbra virulenta dos literatos malditos...
O meu caminho, que é deveras o único do meio, mas mesmo por isso, nunca exatamente no estrito meio,
não tem gurus, equilíbrio, distúrbios sérios, ou decadência romantizada...
Apenas uma parca temperança, inerente ao caminhar só, e se saber parte do solo massageado pelos próprios passos descalços!!!
Ele não oferece álcool, drogas, tabaco, nem prasada vegana com água de mina.
Não se caminha nele, sensual, a meia luz...
Tampouco na treva ou no sol amigo.
Nele incidem-se luzes em ângulos indecifráveis e também isso, não se escreve ou tem a menor relevância... Algo corriqueiro perceptível a ideias menos retóricas!
Nele, não caminho abaixo da linha da miséria, nem no meio, nem acima, ou nas alturas.... Apenas no que o dia oferta ou não, quando extraio dele o sumo com certo cuidado pelo espaço de minhas criações ou desideias. E mesmo em respeito ao peito do dia - menos para que não lhe mame tudo, do que para que reste bonança pra mais uns passos de vida!
Sim, tem atalhos e clareiras para lidar com as tipicidades dos caminhos dos outros...
Pra berrar, meditar de lilás, dançar como serpente, gargalhar vulgarmente, lutar causa perdida...
Só que na hora de retomar a trilha, não é nada, nem disso, nem daquilo...
É apenas a potência de ser lá o que seja ou decida - pontualmente.
Nesse caminho nada tenho, só que nem chego a ser quem não possui coisa alguma. Carrego e largo pela estrada, matéria de outros tempos, lembranças dos agoras e vazios cheios de tempo algum... Num valor financeiro total, tão módico, quanto ininferível!
No meu caminho só - o único onde outros não transmitam, nunca vi deixar de ser velho ou criança... Como nunca vi ser cafona como um adolescente, ou insosso como um adulto...
Como sei que é do meio?
Primeiro porque não existe meio efetivamente - só isso já trás ideia de meio, né, algo não efetivo? Depois, porque os caminhos dos outros distribuem-se em quase igual quantidade à direita, a esquerda, acima e abaixo do meu...
E as demais estradas seguem com seus guetos, causas, drogas, receitas, guias, máximas, classes, equilíbrio, loucura.
Acho até bonito de fora, assim como na hora da visita...
Mas a música do meu caminho-vida, gosto mesmo é de dançar só.

*Jullie Vague
Pesquisadora. Roteirista. Poetisa. Musicista. Agitadora e inovadora cultural. Filósofa Clínica.
Curitiba/PR

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