“Eu queria que, ao
renunciar à torre de marfim, o mundo me aparecesse em sua plena e ameaçadora
realidade, mas não quero que, por isso, minha vida deixe de ser um jogo. Por
isso endosso inteiramente a frase de Schiller: ‘O homem só é plenamente homem
quando joga’.”
Jean-Paul Sartre (Diário de uma guerra
estranha – Caderno XIV – 1940)
“Se é verdade que
apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que
acontece com o resto?”
Pascal Mercier (Trem Noturno para Lisboa)
Quais os olhares que
existem sobre o Jean-Paul Sartre no século XXI, de que forma o l’adulte
terrible é visto hoje, existe espaço para o homem sartreano neste século? Me
vem essas questões quando busco uma de sua obras que mais admiro, O ser e o
nada. Há uma pertinência na leitura histórica dos festejados filósofos do
século passado, não sou adepto ao modismo, pelo simples fato, a afetação beira
quando se determina o que é bom ou o que é lixo.
Sartre soube viver como
poucos o que sempre desejou, o homem que sempre buscou, o que gostaria de viver
e não aquilo que imaginaria viver segundo a moral vigente de época impunha. Ele
bem disse em seu primeiro romance A Náusea, só há existência no personagem
Roquentin, ele se perde num presente estranho e duvidoso. Isso é que me levou a
procurar mais sobre Sartre, sua forma de pensar, narrar o mundo naquele momento
histórico tinha lá suas idiossincrasias. Tudo que existe é por nossa escolha.
Sartre soube fazer muito bem seu caminho, escolhas que agradaram muitos; outros
o abominaram profundamente e nada disso foi suficiente para ofuscar a sabedoria
do homem que viveu intensamente seu tempo.
As críticas não
importam hoje em dia, ele foi um monstro sagrado do Século XX que construiu sua
vida com atitudes, livros, textos e mais textos, com opiniões desastrosas e com
sacadas inovadoras que provocaram a ira dos poderosos, dos santos, dos deuses e
admiração de uma legião de homens e mulheres. Antes de tudo isso, Sartre soube
fazer o pensamento mover-se, soube filosofar, é o que importa agora para mim,
em pleno Século XXI, o tempo em que o pensamento anda escasso.
O que restou da obra de
Sartre? Ele não inventou nada, o “Nada” hoje é parte do acaso das verdades
absolutas. A aversão que se nutre ao pensador do existencialismo, não se dá
porque ele “errou”, ou narrou de forma equivocada seu tempo, mas por outros
motivos, o pensador-escritor é deixado de lado por nossa tendência de querer
uma mensagem, melhor, no criticismo moderno, querer ver a explicação mais
correta da realidade.
O erro de Sartre foi
reivindicar nos escritores uma militância, que fossem todos à esquerda,
submetidos a regras rigorosas da escrita, era a tentativa mais absurda que
tinha em “Crítica da razão dialética”, de conciliar o marxismo com o
existencialismo.
O que nos leva a
consciência de alguma coisa é o processo unir o existir e o saber. Isso só se
torna possível na experiência literária, ensaística do Sartre. Ele foi além dos
princípios fundantes da filosofia. O experimentar poder ter sido também sua
perdição. A conciliação do existencialismo ao marxismo foi um tiro da cegueira
do século XX no escuro. A imposição de que todos escritores fossem de esquerda
era no mínimo a bala perdida de sua reflexão. Mesmo assim, as circunstâncias
que se deu esse adágio, que mais servia aos inimigos, é que o levou a ser um
que sempre foi, do mundo das coisas para sua realização em si. Eis o
existencialista em plena contradição. A liberdade é parte deste homem
contemporâneo, um legado que me leva a apreciar sua obra quase na sua totalidade.
Nem todo Sartre é
datado, embora sua filosofia em O Ser e o Nada busque de forma incessante
explicar a existência do Outro além da minha existência, o contrário seria
estar distante de seu próprio tempo. O moralista permaneceu em sua vida e obra,
sua certeza da liberdade diante de um tempo que embotava o homem. Sartre foi um
revolucionário de sua época. O legado é extenso, é danoso a outro tipo de
moral. Não resta dúvida que o mundo precisa de homens que rompem com a moral
vigente. A vida é uma experiência e não algo que é simplesmente dado.
A vida é o Tempo sem tempo a preencher o ar
com inaudito das coisas pensadas. Ontem, com aquilo que estamos tateando, o
perceber da condição para se conhecer. Hoje, com o que restou daquilo que não
pudemos compreender na sua totalidade. Amanhã, nem Sartre nem qualquer outro
filósofo nos garante algo irrefutável. O pensamento para valer a pena, em
qualquer época, reivindica o direito de pensar livre. É o que Sartre soube
fazer com maestria e estilo, provocar a contradição e não buscar a chave de
todos os problemas. A filosofia e a literatura em Sartre estão a salvo por
muito tempo.
*Prof. Dr. Luis Antonio
Paim Gomes
Filósofo. Editor. Livre
Pensador.
Porto Alegre/RS
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