Nas primaveras de 2007, 2008, 2009 e 2010, após centenas de sessões, entendemos que já era chegado o momento de partir, cada um para uma direção própria e singular, intencionada para não mais proporcionar encontros terapêuticos presenciais. A partilhante em questão, uma profissional bem-sucedida da Engenharia da Computação e especializada em Inteligência Artificial, não satisfeita com o diagnóstico de autismo que veio somente aos 35 anos, iniciou uma busca que ela mesma nominou de “autoconhecimento versão 2.0”.
Ela tirava as suas férias sempre
nas primaveras, hospedava-se num hotel da cidade de Porto Alegre/RS e desde o
primeiro dia dessa estação comparecia pontualmente às nossas sessões sempre
previstas para ocorrerem das 7:30 às 8:45h no nosso consultório itinerante
situado no parque da Redenção. Como regra, trabalhávamos de segunda a sábado,
fizesse chuva, fizesse sol, e, como exceção, aos domingos, ela escolhera
comparecer ao parque sempre sozinha para fazer o mesmo trajeto filosófico num
modo “memorial/mental/sensorial” (palavras da partilhante).
Não tínhamos certeza de nada a
priori, apenas dúvidas e muita disposição para partilhar descobertas. Pois, “o
exercício clínico do Filósofo acontece em contextos de imprecisão e descoberta.
Inexistem fórmulas prontas, verdades, aconselhamentos, receitas, testes ou
orientações predeterminadas. As dinâmicas de acolhimento e atenção com a vida
desdobram-se no mundo como representação da pessoa. Um processo inicial de
abertura anuncia a terapia. Ponto de encontro aos desdobramentos do papel
existencial cuidador.” (Strassburger).
Na última sessão, ao formalizarmos uma alta compartilhada, a partilhante encerrou dizendo: “(...) durante esses quatro anos distribuídos em quatro blocos múltiplos de quatro que totalizaram dezesseis meses, eu fui me sentido cada vez mais provocada de uma forma curiosamente segura para me investigar por dentro com honestidade e aceitação. (...) Eu descobri múltiplas seções no meu íntimo que foram me tornando mais forte, confiante e segura de quem eu era(...) até que finalmente eu pude me libertar da [equivocada] convicção nociva de que as minhas tantas singulares eram defeitos, doença ou maldição como tantas pessoas me fizeram crer durante boa parte da minha vida.”
*Prof. Dr. Pablo Eugênio Mendes
Filósofo. Escritor. Musicista.
Filósofo Clínico.
Uberlândia/MG
**Texto originalmente publicado na Edição OO (piloto) da Revista da Casa da Filosofia Clínica (edição de outono/2022).
Comentários
Postar um comentário