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Anotações e percepções de um Filósofo Clínico*

 

A maior responsabilidade educacional dos pais é a de identificar os talentos e a vocação do seu filho. 

Mas como podemos fazer isso?

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Em primeiro lugar, o princípio mais importante: não procure tornar o seu filho uma extensão dos seus projetos. Não tente realizar os seus sonhos por meio do seu filho. Ele terá, ele já tem, o seu próprio caminho, os seus próprios talentos, a sua vocação, os seus sonhos. E lembre-se: o seu filho não está no mundo para fazer nada por você: ele não lhe deve nada; tudo o que você faz por ele será retribuído aos seus netos.

Em segundo lugar: preste atenção no seu filho. Descubra aquilo que ele faz bem, o que ele realiza com pouco esforço, os seus gostos, os seus interesses.

Não estou falando aqui de matérias escolares. Na verdade, importa pouco se o seu filho "gosta de História" ou "gosta de Biologia". Esses gostos são mediados pela simpatia dos professores, pelas notas, por circunstâncias mil. Pense na vida fora do contexto da escola.

O seu filho gosta de atividades ao ar livre, ou prefere ambientes fechados? Ele gosta de realizar atividades em grupo, ou prefere trabalhar sozinho? Qual é a capacidade atlética do seu corpo? Como é a sua coordenação motora fina? Tem habilidades com brinquedos como Lego? Curte mecanismos? Aprecia a companhia de animais? Que tipo de livros ele gosta de ler? O que ele tem prazer de desenhar? Gosta de conversar com pessoas? Prefere ouvir ou falar? Que assuntos ele gosta de pesquisar na internet? Gosta de viajar? Toca algum instrumento musical? É mais interessado em experiências ou em objetos? A lista de perguntas é infinita.

São perguntas como essas que ajudam a conhecer melhor o seu filho - e, conseqüentemente, a orientá-lo.

 

 

Para amadurecermos os nossos sentimentos há um caminho e um atalho. O caminho é o da vida vivida: tivéssemos como viver mil anos, ao fim reconheceríamos a necessidade de cozinhar em fogo brando as nossas emoções.

E o atalho para o amadurecimento sentimental é o da literatura. Ela nos permite viver mil vidas em uma - e experimentar, e nomear, milhares de nuances emocionais. A literatura, a boa literatura, amadurece com suavidade o nosso coração e põe as nossas mais violentas inclinações sob o controle das palavras - e, por conseguinte, sob o controle do pensamento.

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De fato, ao lermos a boa literatura aprendemos a reconhecer e a descrever as nuances e os detalhes do mundo - dentro e fora de nós.

Quando aprendemos a nomear com precisão o que vemos e sentimos, aprendemos a lidar melhor com a vida - pois passamos a elaborar, num pensamento estruturado, as nossas fragilidades e as nossas dores.

E aquilo que é reconhecido, elaborado e estruturado no pensamento não se manifesta numa explosão, mas num discurso lógico.

A estrutura da linguagem é a estrutura do pensamento consciente, e a estrutura do pensamento consciente é a estrutura da linguagem: somente quando somos capazes de desdobrar os nossos sentimentos na linguagem tornamo-nos capazes de pensar sobre eles - e de agir não como os brutos, mas como os humanos que somos. Em outras palavras: a literatura ensina a nomear o invisível; assim nomeados, os nossos monstros podem ser domados.

A literatura humaniza e amadurece os corações imaturos. Por isso a literatura é a melhor política contra a violência - que é o resultado do transbordamento emocional numa personalidade cujas emoções permaneceram infantis.

* * *

Todavia, isso tudo é incompreensível a quem não vive a vida da cultura - o que infelizmente é o caso da maior parte dos nossos políticos, gestores escolares e professores, a quem o papel civilizatório da literatura é somente uma idéia bonita para ser citada e esquecida.  

Prof. Dr. Gustavo Bertoche

Filósofo. Escritor. Musicista. Mestre e Doutor em Filosofia. Educador. Filósofo Clínico. Em 2019 o Conselho e a Direção da Casa da Filosofia Clínica lhe concedeu o título de “Doutor Honoris Causa”, por reconhecimento ao seu trabalho.

Teresópolis/RJ

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