Aprendi com uma fotógrafa que para demonstrar felicidade em uma foto não é preciso sorrir com a boca, são os olhos que transmitem o estado de humor. Quantas vezes você já viu aquilo que chamamos de “sorriso amarelo”? Boca sorrindo e olhos chorando, denunciando o estado de espírito em sofrimento. Quando uma pessoa está bem, seus olhos transmitem essa energia positiva que se projeta direto na foto. Não há como enganar.
Aprendi com meu neto Bernardo,
que agora completou um ano de idade, que a boca também não é necessária para
ser entendido, os olhos conseguem dizer quase tudo.
Quando brinco com ele e faço uma
bolha de sabão, na tentativa de agarrá-la com as mãos, invariavelmente estoura.
Ele me encara e seus olhos perguntam “onde foi parar a bola”? Ainda não tem
capacidade de raciocínio para entender a fragilidade de uma bolha de sabão, o
que ele quer mesmo saber é onde se meteu a tal bola que estava bem à sua
frente, diante dos olhos.
Bernardo ainda não sabe que sou
seu avô, não moro na mesma casa e nem sempre posso estar presente para brincar
com ele, mas sem dúvida alguma me reconhece, identifica minha voz, meu cheiro,
minhas brincadeiras. Quando vou visitá-lo seu primeiro olhar é com o mesmo
espanto da bolha que magicamente desaparece. Assim como ela some, eu surjo.
Mistérios que seus olhos claramente não entendem, mas refletem.
Quando o coloco para dormir em
meus braços e vou contando uma história ou cantarolando algo, suas pálpebras
lentamente vão fechando até se cerrarem por completo. Mas entre o estado
acordado e sono profundo, várias olhadelas são dadas para conferir se ainda
estou ali e silenciosamente me sussurram: ”fique aqui vovô, não se vá”.
Certas coisas são melhor ditas
com olhos que com palavras. Olhos falam coisas que a boca não sabe ou não tem
coragem de dizer. Beijos geralmente são dados com os olhos bem antes das bocas.
Exceção talvez sejam os beijos roubados. Palavras podem enganar, mentir,
blefar, embromar, olhos dificilmente.
Já reparou como é difícil falar e
encarar firmemente por um longo período os olhos de outra pessoa? Geralmente
desviamos o olhar para nos concentrarmos naquilo que estamos falando ou
escutando. O olhar mútuo é tão estimulante sobre nossos processos cognitivos
que interfere na capacidade de atenção e raciocínio.
Claro que existem também aqueles
olhares desviados por timidez, mentira e outras situações. Um dos mais
conhecidos é o “olhar de paisagem”, quando uma pessoa fica com a face
inexpressiva, olhar perdido, não demonstrando sentimento ou reação, fazendo de
conta que nada aconteceu ou não tem nada a ver com isso.
Como as crianças pequenas ainda
não possuem o recurso da fala, tampouco o da falsidade, seus olhos exibem
sentimento puro e dizem aquilo que a boca não consegue falar, mas em uma
perspectiva diferente dos adultos. A curiosidade sobre o mundo é maior que o
medo, conseguem ver leveza em meio ao caos, enxergar encantos em uma simples
bolha de sabão.
Dia a dia estou me tornando
fluente no idioma dos olhos do Bernardo. Daqui a pouco ele vai começar a falar
e se tornar adulto. Tomara que nossos olhos não percam a conexão de agora. Os
olhos de uma criança falam somente as palavras necessárias, mas dizem tudo que
precisamos saber.
*Dr. Ildo Meyer
Médico. Escritor. Mágico. Palestrante. Filósofo Clínico. Autor da obra: “Visita de médico – Uma aproximação entre filosofia clínica e medicina”. Na coleção: Filosofia Clínica da Editora Vozes/RJ, dentre outras obras. Em 2019, por deliberação do Conselho e Direção da Casa da Filosofia Clínica, lhe foi outorgado o título de "Doutor Honoris Causa", em reconhecimento ao seu trabalho.
Porto Alegre/RS
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