O que quero enfatizar agora, desde o início, é que a alegação de que algumas pessoas têm uma doença chamada esquizofrenia (enquanto outras supostamente não têm) foi baseada apenas na autoridade médica e não em qualquer descoberta médica; que foi, em outras palavras, resultado de uma decisão política e ética e não de um trabalho empírico ou científico. – Thomas Szasz; Mercedes Benet. Esquizofrenia: el símbolo sagrado de la psiquiatria. p. 13.
Os comportamentos humanos podem
ser considerados normais ou anormais somente em referência a algum padrão. E
isso não é novo. Os primeiros estabelecimentos de reclusão ou confinamento de
pessoas “anormais” vêm antes do século XV e essa prática de avaliação de
anormalidade muito antes desse tempo. No entanto, as explicações sobre esses
comportamentos podem ser de várias áreas tais como sociais, antropológicas,
éticas, políticas etc., mas não médica. A não ser que esta pessoa tenha uma
lesão no cérebro onde diretamente esteja afetada suas condições cognitivas ou
sensitivas. Sem esse último fato, a doença mental é uma falácia e uma tentativa
de emprestar cientificidade a algo que não é científico nestes termos.
Pode-se fazer um estudo
científico social, político, ético, antropológico, mas não no sentido de uma
ciência médica. Científico no sentido do rigor da pesquisa. No entanto, é
preciso primeiro separar as categorias do real, para depois ir à busca das
causas. Mas se tratando do comportamento humano sem uma lesão cerebral seja por
acidente ou por nascimento, a medicina não é uma categoria da explicação do
comportamento normal ou anormal do ser humano.
As palavras de Thomas Szasz no
início deste texto mostram o quanto a confusão entre comportamentos socialmente
não aceitáveis e explicações causais médicas são a tônica na psiquiatria. Desde
final do século XIX que se estabeleceu de forma mais robusta esse tipo de
explicação para o que era chamado antes como tratamento moral de pessoas
desviantes. Penso que esses termos são muito mais honestos e falam muito mais
da real atividade psiquiátrica ainda hoje do que os de doença mental e
pacientes. Os desviantes eram considerados imorais em uma sociedade – francesa
e inglesa daquela época – normatizada e normalizada por valores morais rígidos.
Obviamente que comportamentos
perturbadores da “ordem” social sempre existiram e sempre irão existir e também
é óbvio que em alguns casos – desconsiderando os de crimes de fato – deveriam
ser afastados do seu círculo social para ter um tratamento terapêutico e poder
achar seus caminhos, seja voltar para onde estava ou procurar outros lugares
para viver. Mas isso não torna essa pessoa uma doente mental nem se considera
que ela tenha um defeito biológico.
Fora as questões evidentes de
lesão corporal ou cerebral que afetam diretamente as condições do indivíduo
para viver socialmente de certa maneira, os comportamentos “desviantes” sociais
têm explicações sociais, políticas, éticas, existenciais e não médicas.
Medicalizar o comportamento,
qualquer que seja, é uma estratégia de marketing utilizada para dar status
social à nascente profissão psiquiátrica entre o meio e final do século XVIII e
XIX, e uma estratégia de publicidade da indústria farmacêutica para ampliar
seus ganhos econômicos criando doenças que não existem e oferecendo cura para o
que não é doença.
A psiquiatria e a indústria
farmacêutica fixaram uma pareceria quase inviolável nos dias de hoje e o poder
do status social de uma mais o poder insidioso financeiro da outra, criaram uma
rede de conceitos e falsos conhecimentos que adentraram a mente daqueles que
aceitam tanto o poder social do psiquiatra como se fosse médico quanto os
“avanços” da ciência no campo dos medicamentos e da “cura”.
*Prof. Dr. Fernando Fontoura
Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Escritor. Filósofo Clínico. Em 2019, por decisão do Conselho e Direção da Casa da Filosofia Clínica, lhe foi concedido o título de “Doutor Honoris Causa” por seu trabalho na área do novo paradigma.
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