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Bonde do amor* Era uma vez... Um homem e uma mulher que, sentados ao pé do Cristo, no Morro de Imperador, se prometeram amor eterno. Seus cabelos brancos, as rugas e o tremor de muitos anos de separação lembravam o início de uma história inacabada no Parque Halfeld. Chovia muito quando o bonde chegou. Ela vestia o uniforme engomado do colégio Santa Catarina e ele, o uniforme bem passado do exército. Seus olhares se encontraram por instantes. Ela desviou o rosto, envergonhada, com a face queimando, e fez que não o viu. Ele tossiu, tentando disfarçar o coração disparado de tanta emoção. O bonde passou na vida dos dois. E eles nunca mais se viram. Ficou apenas o olhar e a imagem. Os anos sopraram como os ventos. Ela casou com um amigo. Ele foi para capital. Tiveram filhos, criaram histórias opostas de amor e dor. Até que, em uma tarde, na Catedral Metropolitana, ao som da marcha nupcial, ele entrou com sua bela filha, vestida de noiva. Ele, que foi morar para além-mares, voltou na
Os sonhos* Chegou de mansinho... Sentou-se ao meu lado. O dia era frio e senti o calor de sua mão que esbarrou quase sem querer na minha. Gelo no estômago. Emoções confusas. Balanço de cabeça e pés no chão. Onde estaria eu com minha cabeça? Como um estranho que chegava em uma manhã de inverno poderia fazer adiantar a germinação das flores de uma primavera tão distante? Será que William Shakespeare teria razão quando escreveu: “Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor”? Por um rápido instante pensei em todas as estações nas quais busquei o meu príncipe encantado. Esperava que ele chegasse em um momento especial. Talvez na minha festa de aniversário de quinze anos. Não chegou. Talvez que ele viesse no baile de formatura de minha Faculdade de Filosofia. Não veio. Lembro-me muito bem daquela noite de formatura: tive que dormir frustrada e desiludida ao lado de Platão, Aristóteles e toda a milícia filosófica... Impossível! De fato a manhã estava fria, mas aquele frio q
O Tonel e a Gota D'Água* O que está em profundidade é muito maior do que a gota d’água que transborda o copo. Mas é ela que aparece. Não vejo mais sinais para seguir. Sou um cão farejador, preciso do outro para seguir, não consigo ir sozinha. Sim. Tentei sozinha, mas creio não ter conseguido; o caminho tortuoso, a montanha alta demais. Minha intuição me levou ao exótico que não acreditava ser-me possível viver. Mergulhei para os corais e peixes coloridos dentro do tambor de água da chuva. Estou a milhares de quilômetros das estrelas e uma delas caiu cadente em minha mão. Estrela micro, nem sabia brilhar direito, também o cisne se imaginava pato. Sento-me sozinha para escrever novamente para entender o bumerangue afiado da vida. O impulso para voar dá medo. As pequenas aves sempre planam? O gelo vira uma superfície no chão pálido, oco. Já não é mais nada, disforme, isento, inodoro, insosso. Só deitar e olhar para o teto procurando ver imagens. Esta semana um estuda
Fragmentos filosóficos delirantes XCXV* "Com pedaços de mim eu monto um ser atônito" "Tudo que não invento é falso" "Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira" "Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou" "Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia" "Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário" "Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas" "O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito" "A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos" "Não preciso do fim para chegar" "Do lugar onde estou já fui embora" "Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar entre pedras e lagartos" &quo
Fragmentos filosóficos delirantes XCXIV* "(...) E algum tempo depois, eles que haviam transposto seus confins, por caminhos singulares se encontraram, e, se não foram felizes para sempre, ao menos conquistaram, com risco e aflição, o dom de partilhar o seu sinal, que os marcava e isolava de todos os demais." "Não tentem me explicar, não me prendam, escrevi certa vez, mas podia ter escrito 'não me matem', como se espetassem uma borboleta no alfinete das interpretações." "É preciso entregar-se à minha narração, andar pelos caminhos dela, rolar em suas enconstas, afogar-se em suas águas como eu tantas vezes fiz, para me acompanhar." "Sempre foi duro vencer o espírito de rebanho, mas esse conflito se tornou quase esquizofrênico: de um lado, precisamos ser como todo mundo, é importante adequar-se, ter seu grupo, pertencer; por outro lado, é necessário preservar uma identidade e até impor-se, às vezes transgredir para sobreviver." &q
Operação bicicleta: dia 1* Com tantas campanhas que incentivam o uso da bicicleta decidi aderir e hoje foi o meu primeiro dia. O sol ainda estava muito tímido quando subi para as primeiras pedaladas. A sensação que tive foi quase religiosa. Nunca fui dada aos exercícios físicos, quase sempre dava um jeito de não fazer educação física na escola, sou uma sedentária de carteirinha. Mas admito que não sai da minha cabeça a idéia de fazer alguma atividade a fim de ajustar as engrenagens, tenho uma inclinação para o pilates. A idéia de me esticar toda remete a um livro infantil em que os animais passavam por aparelhos bem rústicos feitos de madeira e parafusos que esticavam ou encolhiam os mesmos, lembro da girafa que quis encolher, no meu caso eu gostaria justamente do contrário, um pouquinho que fosse já me satisfaria, por isso me anima o pilates! Mas entre uma passada e outra em frente a academia nada ainda me fez entrar. Então a bicicleta veio a calhar, apesar deu percorrer um ca
Por que a Arte de Amar surpreende?* O fenômeno é o Amor- sinônimo de relação, logo energia - Movimento, Ação- Liberdade. Que tem como antônimo o Poder - Egocentrismo - Controle - Tensão - Escravidão. Se amor é Movimento, é deste movimento que se faz e cria a Arte. Que arte é esta que falo quando o assunto é o amor? Falo das expressões no tempo e espaço e além do espaço e tempo. Falo da vastidão da alma para além do ego, que é eu aprendiz. Amor pode parecer complexo, mas é Vida. Arte é movimento da alma, expressão amorosa, que no encontro promove o enamoramento, encantamento, identificação e espelhamento. A arte faz vibrar a alma, que depois de se enamorar se transforma em paixão. A alma acende a lua,clareia a escuridão dos pantanais. Convida a fusão. As almas se entrelaçam e desejam os corpos incendiados. A arte avança, rompe, fragmenta,corta. Gera paixão triste. Na pósmodernidade, nosso tempo do agora, nosso hoje existencial a arte de amar mais separa, rompe, destroí o mit
Periódico Existencial* Uma discussão a respeito de mente e cérebro acabou levando a uma discussão sobre se as doenças realmente existem ou não. Eu, e talvez você, conhecemos pessoas que já tiveram um problema de saúde e que, após muitos exames, nada foi diagnosticado, pessoas que percorreram um longo caminho na medicina e nenhum causador orgânico foi encontrado. Esse é o caso do problema que envolve a mente e o cérebro. O cérebro é considerado nosso principal órgão, onde fica o centro do sistema nervos. É um órgão extremamente complexo, que nas últimas décadas vem sendo largamente estudado e mapeado. Estes estudos têm vários objetivos, entre os quais entender o funcionamento do cérebro e, a partir disto, construir diversos mecanismos que facilitem a fabricação de remédios que possam ter o efeito desejado para as mais diversas doenças que o afetam. Há ainda o interesse em desvendar a forma como o cérebro funciona, mecanicamente, e talvez aplicar o seu sistema a um computador. Men
Muitos em mim* Nas desventuras da vida me aventuro na descoberta do humano incompreendido desprezado e indiferente olho nas entrelinhas da vida escuto o silêncio das palavras não ditas redescubro sonhos esquecidos no passado trilho novos caminhos a partir de velhas existências navego em oceanos de emoções me humanizo a cada dor e partilho o dom da paz em cada coração encontro o humano na essência de cada retalho da vida faço-me um com os muitos que habitam o meu ser *Pe. Flávio Sobreiro Poeta, Filósofo Clínico Cambuí/MG
Águas ocultas* “Tudo está cheio de deuses” Atribuído a Tales de Mileto (séc. VI a.C.) Na imensidão azul que perpassa dois mundos – dos seres e da natureza - todos os deuses ali habitam, integrando as realidades pela fluidez, pela unicidade e pela característica úmida de sua essência. Esses mesmos deuses se contorcem entre as passagens para alcançar as brechas da natureza mais oculta de cada ser, permitindo que as indagações mais substanciais transpareçam na transparência de seu elemento. Então, flutuamos imprecisos sobre seus movimentos e sobre sua atração, não sendo possível dispensar qualquer de suas manifestações. E este princípio fundamental – a água essencial - ainda persiste na natureza e é validado por tudo que se move, se atrai, se expande, se infiltra e está repleto de si mesmo, de vida, de deuses e da alma que se fixa através de sua qualidade ou de sua potencialidade divina. Águas... em forma de fontes, rios, oceanos, artérias, filetes, lagos, mares, geleiras, no
VOLTANDO DO ENCONTRO* Pra longe eu fui, de novo, sem imaginar o carinho da acolhida e o compartilhamento dos amigos de Porto Alegre quanto a seus lugares e objetos, haja vista o chimarrão como exemplo mais próprio da interligação sulina. Pessoas que se mostram e aceitam trocas; o faço por palavras. A vocês do entorno do Guaíba, também de Ctba, Fpolis, RJ, JFora, Campinas e arredores, minha reverência. Tento reapresentar o passado mas as roupas são pequenas, cresci. De cabelos curtos, depois de longos, como a adolescente que deixou a menina pra trás, conforme Cecília Meireles em “Olhinhos de gato”. Vi uns cachinhos de ouro dia desses no banco; não me pareceu uma infância tão feliz assim. Segundo Strassburger, há carinho nas manifestações dos internos do Hospital Psiquiátrico ao gritar e chutar portas na hora da crise. Sutileza de percepção de quem observa a fragilidade do ato necessário ao momento e o respeita. Ao lidar com a singularidade presente em cada qual, por mais chocan
Meu caminho para escrita* “A leitura traz ao homem plenitude, o discurso segurança e a escrita exatidão.” (Francis Bacon, Ensaios) Jamais pensei que iria escrever alguma coisa para mais de uma pessoa. Passei a adolescência quase sem ler. Somente iniciei minhas leituras, relevantes e em quantidade, a partir dos 20 anos. Isso é muito tarde para muitos. Minha escrita foi surgindo nessa época. Antes disso não havia diferença entre o que escrevia no fim do ensino médio e o que um iniciante na escrita da quarta série do ensino fundamental escrevia, inclusive a dificuldade de expressar o que pensava e sentia. Mas, as coisas mudaram. Hoje ainda não conheço muitas regras da nossa língua. Uma frase às vezes deve repetidamente ser mudada para que a forma esteja de acordo com o que minha intuição permite. O que conheço de escrita devo totalmente à minha leitura. E para quem começou a ler e escrever com certa frequência a partir dos 20 anos, até que não me saio mal escrevendo. Quando

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