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Cartas a um jovem poeta * (Primeira carta)

Prezadíssimo Senhor, Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera. Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura

Imaginação*

Querido leitor, que você esteja bem. Nosso tema de hoje é imaginação. O filósofo Blaise Pascal em sua obra mais conhecida, "Pensamentos", discutia a imaginação, com poucos fundamentos, apenas preocupado em anotar pensamentos sobre o tema. E olha que sua especialidade era matemática. Na visão de Pascal, a imaginação é a força mais poderosa nos seres humanos e também uma de nossas principais fontes de equívoco. Para o matemático, a imaginação pode ultrapassar nossa razão, pois é ela que nos leva a confiar nas pessoas, apesar do que nos diz a razão. Um exemplo: médicos e advogados vestem-se com distinção, tendemos a confiar neles. Ao contrário, dedicamos menos atenção a quem parece desmazelado, mesmo que suas palavras sejam sensatas e seus exemplos coerentes. Lembrando que isso era assim para Pascal. Ele continua: Embora a imaginação leve a falsidade, por vezes também conduz a verdade, pois se fosse apenas falsa, então poderíamos usá-la como fonte de certeza ao acei

Estudo 175*

Estar com o rio não é molhar-se na água. Nem ser leito. É ser a água e o leito. E o mar. E ser as nuvens do céu. Nosso destino é o que somos. Somos o destino – o olho d’água e a foz. Somos a foz e o ruído das águas se encontrando. E as nuvens do céu e o homem sentado numa pedra. E a pedra. *Antonio Brasileiro

Nas sombras da minha escuridão*

Sou quem eu sou Mas não sou quem gostaria de ser. Penso ser quem eu deveria ser (À maneira dos outros) Penso ser aquilo que sou E penso querer ser somente eu Sem a influencia de ninguém Ser quem somente sou Mas quem sou eu? Mas o que sou eu? Esgueiro-me por entre os escombros De um eu que pensa ser Quem deveria ser, Quem gostaria de ser, Quem sou E não me encontro em nenhum desses Quem sou eu? O que sou eu? Palavras, pensamentos e atitudes Não me definem Por entre os escombros de mim Procuro uma luz pra entender quem sou Procuro um lugar além-mim Uma palavra de definição e fechamento Percebo que sou modificações Penso que sou devires Fervilho elucubrações sobre-mim Em mim me encontro e me perco. Mas quem eu sou? Mas o que eu sou? Não sou definição Não sou fechamento Não sou devir Não sou modificações Ou será que sou tudo isso? Quem eu sou? O que eu sou? *Vinicius Fontes Filósofo Clínico Rio de Janeiro/

Tabacaria*

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo. que ninguém sabe quem é ( E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger d

O primeiro passo para compreender a Filosofia Clínica*

O título ideal para um texto desse tipo sobre filosofia clínica, deveria ser Abordagem do que não é possível ser abordado: guia para um texto que não deveria ser escrito. Controverso, não? Mas, nas linhas seguintes, explicitaremos o porquê que um título assim seria justificável. Para esclarecer nossa proposta, vamos nos remeter a Sócrates (469 a.C. – 399 a. C.) um ateniense que mudou o foco da filosofia Ocidental. Longe de nos determos em longas linhas acerca da história da filosofia, abordaremos apenas alguns traços desse pensador para servir ao fio condutor de nossa reflexão. Antes de Sócrates, havia pensadores denominados filósofos da natureza, ou seja, suas reflexões estavam voltadas para o todo, o cosmos, a ordem, a origem de tudo o que é. Depois desses pensadores, surge Sócrates inaugurando o pensamento mais antropológico. Ele não escreveu nada, tudo o que sabemos dele foi escrito por seus seguidores, como Platão, ou por opositores, como Aristófanes. Platão nos mostra que

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