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O apanhador de desperdícios*

Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios. *Manoel de Barros

Arquétipo*

Sou a ruiva linda de cabelos de mousse. Estou na Idade Média e tenho cavaleiro que me procura de manto e tudo. A mulher no sótão é a perfeição ideal platônica. Eis que presa sim, pois que recebe, fértil e tem que se resguardar. E essa história das musas nas estrelas da princesa presa na torre é uma inventio masculina para suavizar o posto estado em que ele a coloca sempre por baixo Mas se mulher é frescura e subordinação não o sou. Vê, você fala com um anjo: na busca do ser integral não há lugar para preconceitos. *Vânia Dantas Filósofa Clínica Brasília/DF

Certas Palavras*

Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem  partes do corpo, movimentos, actos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos. *Carlos Drummond de Andrade

A palavra ressonância*

Escrever sobre as repercussões de um encontro clínico, reivindica deslocar-se em estado de redução fenomenológica. Se trata de tentar visualizar eventos em sua matriz de desencadeamento compartilhado, por onde acessos inesperados se descortinam, sugerem uma dialética nem sempre traduzível.     As poéticas da terapia esboçam seus inéditos e os ampliam pela interseção bem sucedida. Esses enredos seriam inimagináveis não fora a alquimia da atuação subjuntiva, a qual, iniciada na hora_sessão, se multiplica no cotidiano por vir. Dos múltiplos aspectos sobre seu alcance, sentido, direção, se destaca a alteração dos pontos de vista. Reinvenção pela aptidão dos procedimentos a se tornar transformação pessoal pela via da introspecção.    A cooperação da categoria tempo é fundamental, nesse momento irrepetível, onde uma chave encontra sua porta. Ao acolher compreensivamente o que ressoa, é possível modificar representações, redescobrir-se em meio ao ir e vir das conexões.     Os m

Não me Peçam Razões...*

Não me peçam razões, que não as tenho, Ou darei quantas queiram: bem sabemos Que razões são palavras, todas nascem Da mansa hipocrisia que aprendemos. Não me peçam razões por que se entenda A força de maré que me enche o peito, Este estar mal no mundo e nesta lei: Não fiz a lei e o mundo não aceito. Não me peçam razões, ou que as desculpe, Deste modo de amar e destruir: Quando a noite é de mais é que amanhece A cor de primavera que há-de vir. José Saramago

Perspectivas de uma racionalidade*

O indivíduo, ao fazer filosofia, necessita criticar as perspectivas de sua racionalidade e não apenas sua ideologia. Urge desconstruir a ingenuidade, pois não são apenas alguns argumentos, prova de verdades irrefutáveis. Existe a necessidade premente de romper com uma cultura onde impere a racionalidade, através de dois princípios capitais: o primeiro, que simboliza serenidade, claridade, medida. O segundo, que representa força impulsiva, afirmação da vida, asseveração da existência e dos impulsos, cotidianamente submetidos ao constrangimento da razão. Percebemos na cultura ocidental, marcada pela repressão dos instintos vitais e indeferimento ao prazer, um entrave em aceitar e compreender o indivíduo em sua totalidade. Aqui podemos citar o Cristianismo, que representou um dos últimos estágios de decomposição da cultura grega e dos impulsos vitais, inerentes e indispensáveis à condição humana sadia. A filosofia de Nietzsche abalizou uma densa ruptura da cultura ocident

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