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A Realidade Transfigurada*

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.  O que te direi? te direi os instantes.  Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas.  A duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios. Para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além de minha história humana. Transfiguro a realidade e então outra realidade, sonhadora e sonâmbula, me cria.  E eu inteira rolo e à medida que rolo no chão vou me acrescentando em folhas, eu, obra anônima de uma realidad

Psiquiatria e identidade filosófica*

O conceito de identidade é coisa séria na filosofia. Tem consequências em várias áreas como a metafísica, a epistemologia, a relação mente-corpo, para falar das mais destacadas. Quando Aristóteles, no livro V da Metafísica, define identidade como uma unidade do ser, está se referindo a uma identidade, digamos, forte. Algo idêntico a si mesmo não pode ser de outra forma e nem outro ser pode ser idêntico a ele. Mas, escreve ele, há identidade mais fraca, digamos assim. Coisas que são diversas em seu ser podem ser idênticas em propriedades ou aspectos. Qualidades, atributos e afecções podem ser idênticas em seres diferentes, assim como, por exemplo, todo ser humano é bípede mesmo sendo seres não idênticos de modo forte, pois cada indivíduo é um ser em si. O mito da doença mental atua implicitamente no conceito de identidade. E quer atuar no modo forte desse conceito. Tenta nos fazer crer que atributos do ser têm identidade forte entre eles. A identidade forte, assumida como u

A um Poeta*

Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino, escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma de disfarce o emprego Do esforço; e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua, Rica mas sóbria, como um templo grego. Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade, Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. *Olavo Bilac

Caminhos do neologismo*

 “O desejo é fundamental polívoco, e sua polivicidade faz dele um único e mesmo desejo que banha tudo.” Kafka “...formas de corporeidade, de gestualidade, de ritmo, de dança, de rito, coexistem no heterogêneo com a forma vocal. ” Deleuze e Guattari Ainda sobre o neologismo no pensar, o pensamento é um voo que vai além da univocidade, ele tem sua pluralidade no efeito dos significados. Está certo, o significado é preciso mas ele percorre o signo como um estilhaço de origens. O fato de existir a criação, de recriar naquilo que já existe outros existentes nomes é o que legitima a polivicidade dos nomes. Um nome sozinho é um achado no meio da linguagem, é o que faz o filósofo da contemporaneidade, não recorrer apenas o existente e não se iludir com os nomes, flexibilizar os caminhos, romper barreiras com a força da linguagem.  Não existe um sem outro, o pensamento e a linguagem não estão isolados.  Mesmo com o artificialismo das coisas, até aí foi preciso o pensa

A Ilusão da Viagem*

Viajar é o paraíso dos tolos. Devemos às nossas primeiras jornadas a descoberta de que o lugar não significa nada.  Em casa, imagino sonhadoramente que em Nápoles ou em Roma poderei intoxicar-me de beleza e livrar-me da tristeza.  Faço as malas, abraço os amigos, tomo um vapor e, finalmente, acordo em Nápoles e lá, diante de mim, está o facto insubornável, o triste eu, implacável, idêntico, de que fugi.  Visito o Vaticano e os palácios. Finjo estar intoxicado com as visitas e as sugestões, mas não é verdade. O meu gigante acompanha-me por onde vou. *Ralph Waldo Emerson, in "Essays"

Poéticas*

“o que há a fazer? - Nada! ao parar de buscar encontramos! - Agora! no intervalo... um raio de entendimento!” “que nossos sonhos dormindo ou acordado se realizem. que possamos voar em liberdade sem as nuvens das repressões. leves e soltos sem medos e ansiedades nos rendamos à vastidão!” *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Filósofa Clínica, Escritora, Poeta Juiz de Fora/MG

A Inutilidade dos Sindicatos*

A sindicação, saída da liberdade como o monopólio espontâneo, é igualmente inimiga dela, e sobretudo das vantagens dela; é-o com menos brutalidade e evidência e, por isso mesmo, com mais segurança.  Um sindicato ou associação de classe — comercial, industrial, ou de outra qualquer espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória.  Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações. Todo o sindicato é, social e profissionalmente, um mito. Mais incisivamente ainda: nenhuma associação de classe é uma associação de class

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