Pular para o conteúdo principal

Postagens

Jardim dos Amores*

A rosa há muito se desentendeu com a margarida, que sonhava com o amor do girassol que olhos tinha somente para o sol, e abandonou a acácia que de triste ficou só, mas um dia decidiu recomeçar e foi em busca do cravo, que sem nenhuma cerimônia disse estar comprometido com a tulipa. O gerânio ouviu a conversa e contou para a hortênsia, que apaixonada pelo cravo chorou noites e dias sem fim. Vendo as lágrimas da hortênsia a açucena foi consolar, que de nada conseguiu ajudar. Desesperada de tantos conselhos ouvir, foi em busca dos aromas da alfazema, que naquele dia estava em viagem, pois fora encontrar-se com a tulipa, que nos braços do cravo prometia juras de amor. Mas seu ardor mesmo em meio as juras de amor ainda germinava secretamente na esperança de um dia encontrar com a margarida, que abandonada foi pelo girassol. *Pe. Flávio Sobreiro Filósofo. Teólogo. Poeta. Estudante de Filosofia Clínica Cambuí/MG

Sonhos de singularidade*

Sonhei que havia um rio chorando em mim e nesse sonho, escolhi seguir o seu curso navegando no desconhecido rumo ao autoconhecimento da minha própria jornada. E foi assim até desaguar num mar de emoções e sensações profundas demais. E quando cheguei lá tive que continuar porque o mar não bastou em mim.  E prosseguindo cheguei no oceano que margeava o meu próprio continente chamado pessoa e lá, dentro de um instante estavam todos os outros, sim; percebi ali todos os continentes do mundo.  Ora, o mar não era meu, nem o oceano também; eu apenas os compartilhava doando tudo do melhor de mim. É incrível perceber o quão podemos ser plenos e unidos respeitando as singularidades de cada um que sempre são riquezas necessárias para a soma de qualquer totalidade que nos contempla e completa.  Mas o rio que outrora acreditei chorar em mim, na verdade, sempre verteu sorrisos convidando-me para navegar em seu curso afora. Ora pois, é quando o rio sorri que ele supera qualquer seca

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) não se trata de maneiras diferentes pelas quais algo real em si se revela ao espírito, e sim de caminhos que o espírito segue em direção à sua objetivação, isto é, à sua auto-revelação." "(...) o processo da formação da linguagem mostra como, para nós, o caos das impressões imediatas somente passa a se aclarar e articular no momento em que lhe 'damos nome', permeando-o, assim, com a função do pensamento linguístico e a expressão linguística." "Não apenas a ciência, mas também a linguagem, o mito, a arte e a religião caracterizam-se pelo fato de nos fornecerem os materiais com os quais se constrói, para nós, o mundo do 'real' e do espiritual, o mundo do Eu." "(...) o conteúdo que designamos como o 'agora' nada mais é do que a fronteira eternamente fluida que separa o passado do futuro." "(...) Somente assim se obtém uma solução crítica geral para a questão proposta por Kant, que buscava entend

Partilha*

Uma máscara aparece aleatoriamente no meio da multidão é o "V" de vingança, resta saber: que vingança é essa? São estarrecedoras as  razões distorcidas, que muitas vezes, ignoram  completamente a raiz de sua determinação. A politica sempre foi um prato cheio para projeções, quando alguém se enche de ódio para falar de um determinado politico  ou partido, o exagero e a exacerbação pode estar  denunciando algo inversamente oposto ao discurso,  aproveitando o personagem como um veiculo para desaguar frustrações de outra ordem. Algumas represas afetivas podem dar conta de justificar silenciosamente tais respostas comportamentais,   quando se trata por exemplo, de sentimentos antagônicos ligados a uma figura de  laço afetivo profundo, com  a proximidade de tal evidência, que não permitiria nem um tipo de sentimento se quer parecido com ódio.  A hera tecnológica sistematizou  a coisa da infestação humana excluindo o isolamento por percepção cognitiva, este a quem da no

Dá-me a tua mão*

Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta.   De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.   Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio. *Clarice Lispector

Sobre a arte de redigir silêncios*

Uma fenomenologia da espera descreve seu vocabulário pela quimera a se mostrar esconderijo. A palavra refugiada na estrutura do silêncio parece dizer mais. Seu instante fugaz aponta entrelinhas de um esboço. Seu viés multiplica-se nos enredos da expressão absurda. A suspeita de uma razão vigiada persegue eventos pelos contornos da ficção. Talvez essa novidade, como um deslize da ideia não declarada, se mostre nas páginas em branco. Esses episódios se sucedem em pretextos para um sentido à margem do discurso principal.  Os manuscritos do inesperado podem ser anúncio ao relatar invisibilidades. Ao interrogar esses indizíveis esconderijos das perolas imperfeitas, um olhar escuta a geografia dos exílios. Os espaços desacreditados se protegem no retiro das fórmulas secretas. Os rituais da linguagem singular apreciam a redescoberta desses espaços calados. Ânimos de diversidade na interseção entre a promessa de se mostrar e os rastros.    A interrogação que se desdobra para a

Não-coisa*

O que o poeta quer dizer no discurso não cabe e se o diz é pra saber o que ainda não sabe. Uma fruta uma flor um odor que relume... Como dizer o sabor, seu clarão seu perfume? Como enfim traduzir na lógica do ouvido o que na coisa é coisa e que não tem sentido? A linguagem dispõe de conceitos, de nomes mas o gosto da fruta só o sabes se a comes só o sabes no corpo o sabor que assimilas e que na boca é festa de saliva e papilas invadindo-te inteiro tal do mar o marulho e que a fala submerge e reduz a um barulho, um tumulto de vozes de gozos, de espasmos, vertiginoso e pleno como são os orgasmos No entanto, o poeta desafia o impossível e tenta no poema dizer o indizível: subverte a sintaxe implode a fala, ousa incutir na linguagem densidade de coisa sem permitir, porém, que perca a transparência já que a coisa ë fechada à humana consciência. O que o poeta faz mais do que mencioná-la

Visitas