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A gleba me transfigura*

Sinto que sou abelha no seu artesanato. Meus versos tem cheiro de mato, dos bois e dos currais. Eu vivo no terreiro dos sítios e das fazendas primitivas. (...) Minha identificação profunda e amorosa com a terra e com os que nela trabalham. A gleba me transfigura. Dentro da gleba, ouvindo o mugido da vacada, o mééé dos bezerros. O roncar e focinhar dos porcos o cantar dos galos, o cacarejar das poedeiras, o latir do cães, eu me identifico. Sou arvore, sou tronco, sou raiz, sou folha, sou graveto sou mato, sou paiol e sou a velha tulha de barro. pela minha voz cantam todos os pássaros, piam as cobras e coaxam as rãs, mugem todas as boiadas que vão pelas estradas. Sou espiga e o grão que retornam a terra. Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando, é o arado milenário que sulca. Meus versos tem relances de enxada, gume de foice e o peso do machado. Cheiro de currais e gosto de terra. (...) Amo aterra de um velho amor cons

A escuta das palavras*

A palavra, em deslocamento por seus muitos territórios, também busca uma legibilidade para sua singularidade. Aptidão rara em meio às ditaduras da semiose verbal. Ao conviver sempre no mesmo lugar, ainda que em línguas diferentes, exibe uma excepcional aventura discursiva em cada pessoa. Em um mundo apropriadamente imperfeito, pode ser indizível, ao dicionário conhecido, o melhor ponto de equilíbrio para se traduzir. Essa suspeita se insinua nas possibilidades do instante perfeito. Essa transgressão da zona areia movediça de conforto existencial aproxima-se de um mundo quase invisível. Assim pode acolher e dialogar com a mutante medida de todas as coisas. Ao destacar o viés dessas poéticas da irreflexão, apresenta-se uma negação de que tudo já foi dito, pensado, tentado. Nele um espaço desconhecido se abre como proposta. Talvez a escola, ao ensinar a ler e escrever incluísse aprendizados na arte de ouvir, sonhar, flutuar, dialogar com suas paredes, e

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a dialética corre o risco de abrir um mundo que todos estão tomando o cuidado de fechar sobre suas igualdades; na medida em que ela é uma técnica de transformação, opõe-se à estrutura enumerativa da propriedade, escapa para fora dos limites pequeno-burgueses (...)" "O bom senso é como o cão de guarda das equações pequeno-burguesas: ele tapa todas as saídas dialéticas, define um mundo homogêneo, no qual nos sentimos em casa, protegidos dos problemas e dos escapes do 'sonho' (entendam: de uma visão não contabilizável das coisas)" "(...) a arte morre por excesso de intelectualidade, a inteligência não é uma qualidade de artista, os criadores poderosos são empíricos, a obra de arte escapa ao sistema, em suma, o cerebralismo é estéril" "A Literatura, no entanto, só começa perante o indizível, em face da percepção de um algures estranho à própria linguagem que o procura. É essa dúvida criadora, essa morte fecunda, que a nsosa

Navegar os sonhos*

O Azul do mediterrâneo me acorda nesta madrugada. A história desta cidade de 2600 anos me revela a permanência do tempo nos espaços onde Deus e os homens comungaram da estética do existir. As estrelas deste céu azul anil me reforçam que podemos sair da rotina e adentrar outros espaços. O cotidiano engessa. A rotina limita. Colombo aqui viveu e um dia desejou navegar e desbravar novos horizontes. E descobriu as Américas! Quantas vezes do alto destas torres e neste jardim sonhou em ver novos terras? Não ficou no sonho. Rompeu o medo e navegou. Sair dos agendamentos e criar ouvindo a alma e o coração nos permite navegar e descobrir possibilidades infinitas. Genova reforça em mim "O é Possível". Possível pensar por Si-mesmo e criar livremente. Liberdade requer coragem de sair da condição de escravo e assumir a loucura de ser Si mesmo! É possível! Dra. Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"O mundo estava aí fora, cheio de novas informações e sugestões, estranho, imenso, aberto, e me envolvia completamente, me chamava, era tão diferente da segurança do meu quarto com cortinas, do programa de televisão todas as noites, da rotina da faculdade (...) Eu precisava sair desse mundo sufocante, hipócrita e artificial" "Então tratei de descobrir algo que desse um sentido verdadeiro à minha vida, algo que não fosse tão perecível como a glória de ser jogador de futebol ou médico de ricos (...)" "Minha tarefa no momento é desaprender. Esquecer tudo que me colocaram na cabeça durante anos a fio. Esquecer até começar a ser, um dia, outra pessoa, melhor. Com outra cultura, outro pensamento, outras crenças, outras razões - mais reais e mais fortes - para viver" "(...) hoje em dia a gente só encontra pessoas condicionadas pela sociedade em que vivem, compreende ? Pessoas que vivem segundo os moldes que fabricam para que vivam. Conformis

Meu caminho para a escrita*

“A leitura traz ao homem plenitude, o discurso segurança e a escrita exatidão.” (Francis Bacon, Ensaios) Jamais pensei que iria escrever alguma coisa para mais de uma pessoa. Passei a adolescência quase sem ler. Somente iniciei minhas leituras, relevantes e em quantidade, a partir dos 20 anos. Isso é muito tarde para muitos. Minha escrita foi surgindo nessa época. Antes disso não havia diferença entre o que escrevia no fim do ensino médio e o que um iniciante na escrita da quarta série do ensino fundamental escrevia, inclusive a dificuldade de expressar o que pensava e sentia. Mas, as coisas mudaram. Hoje ainda não conheço muitas regras da nossa língua. Uma frase às vezes deve repetidamente ser mudada para que a forma esteja de acordo com o que minha intuição permite. O que conheço de escrita devo totalmente à minha leitura. E para quem começou a ler e escrever com certa frequência a partir dos 20 anos, até que não me saio mal escrevendo. Quando apresentei minha monogr

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"A natureza não oferece paz, simplicidade, univocidade; ela é o elemento da interrogação, da contradição, da negação, da dúvida ampla" "(...) a obra do gênio doente, transformado em gênio pela doença, admirando, elogiando, elevando, prosseguindo, transformando, legando-a para a cultura que não vive apenas do pão ordinário da saúde" "(..) há coisas que o homem tem vergonha de revelar a si mesmo, e cada indivíduo vai colecionando uma quantidade bastante grande dessas coisas. Sim, podemos até dizer que, quanto mais correta for uma pessoa, maior será o número dessas coisas" "(...) a fronteira entre as atividades de poeta e escritor não passa por fora, pelo lado das aparências, e sim dentro da própria pessoa" "Na esfera de Lessing, nós nos acostumamos a relativizar as coisas, a humanizar o conceito de verdade, e nos habituamos à ideia de que os critérios do que é verdadeiro residem menos na verdade defendida do que naquele qu

Inocência*

“Mas quanto mais me tornava transparente e leve, mais meus despojos cinzentos ganhavam consistência para seus sentidos fatigados.” Pierre Klossowski Imagino meu corpo além do meu corpo. Além, um pouco mais distante do que hoje sou. Bem antes, quando bem pequenino ao lado de minha mamãe. Bem ao lado, sentadinho em um banquinho, enquanto ela cuidava de minha avó enferma. Estava ali, ainda sem a consciência real das coisas, nada a perder, e o lado humano de estar à deriva da lógica da vida.  A vida dos homens não existia. A inocência e a vida, brincava com o Nada: suprema maneira de ser apreendida pelo pequeno Ser. Uma alegoria do impossível, desde que, hoje, já não sei o que estava a viver. Construí esse mundo, através do imaginário de minha mãe, pude ir além do que hoje posso compreender.  Falava sozinho, como um humano que ainda está a ver o mundo, o poente é mais distante hoje. Minha mãe cuidava de sua mãe, olhava-me com lágrimas de dor e felicidade. Essa é uma

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