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Dançar e Punir*

“E assim, à medida que o sol se punha, uma visão foi se impondo aos meus olhos.” Antonin Artaud Nas redes sociais as pessoas que gostam de legitimar a cultura do óbvio, da constatação, da quantidade, essas, emburreceram de vez. Jogam suas frustrações na falta de tempo para compreender a vida, naquilo que ela possa nos apresentar de novo, de desconhecido. A vida é o tempo de todas as coisas, o mais simples é o extremo, destruidor ou construtivo: arrasar ou adorar. É mais fácil primeiro adorar, depois, em outro sentido, destruir o pensamento contrário; sem se dar conta, pode-se estar cavando o próprio erro: o fim é o limite para o pensamento duro. O que vem a ser o pensamento duro, bruto? É o pensar dentro da construção cultural dual, em que existem os polos do bem e do mal. Essa religiosidade racional é parte da vida, é claro, não serei eu a refutar todas as manifestações pelo simples fato de pensar diferente. Eis a reflexão dos frágeis, pensar, refletir, o contrapont

Uma palavrinha sobre os fazedores de poemas rápidos e modernos*

é muito fácil parecer moderno enquanto se é o maior idiota jamais nascido; eu sei; eu joguei fora um material horrível mas não tão horrível como o que leio nas revistas; eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais que não me deixará fingir que sou uma coisa que não sou — o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa na poesia e o fracasso de uma pessoa na vida. e quando você falha na poesia você erra a vida, e quando você falha na vida você nunca nasceu não importa o nome que sua mãe lhe deu. as arquibancadas estão cheias de mortos aclamando um vencedor esperando um número que os carregue de volta para a vida, mas não é tão fácil assim — tal como no poema se você está morto você podia também ser enterrado e jogar fora a máquina de escrever e parar de se enganar com poemas cavalos mulheres a vida: você está entulhando a saída — portanto saia logo e desista das poucas preciosas páginas. *Char

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Para nós, que hoje encontramos todas as vias livres, que pensamos que tudo está ainda por dizer e por vezes somos tomados de vertigem diante desses espaços vazios que se estendem à nossa frente, nada é mais alheio que as queixas desses homens amarrados, confinados num solo demasiadamente trabalhado, cem vezes revolvido, e que procuram ansiosamente um torrão de terra virgem"  "Renard escreve em 7 de janeiro de 1889: 'Pôr na abertura do livro: "Não vi tipos, mas indivíduos". O cientista generaliza, o artista individualiza'"  "(...) o olho prefigura, seleciona aquilo que vê. E esse olho não está dado de saída: ele tem de inventar sua maneira de ver; por isso determina-se a priori e por uma livre escolha o que se vê. As épocas vazias são aquelas que escolhem se ver com olhos já inventados. Elas não podem fazer mais que refinar as descobertas das outras; pois aquele que traz o olho traz ao mesmo tempo a coisa viva" "Blan

A palavra território*

Num visar repleto de possíveis, as singularidades deixam entrever vontades. Os termos agendados descrevem um ser indeterminado. Nesse endereço subjetivo onde se exercita existencialmente, a pessoa elabora rituais, apropria-se de pensamentos e atitudes, indica regiões para manutenção de seu contexto. Ao localizar esse vislumbre de um chão por traduzir, o sujeito, em seus desdobramentos cotidianos, refere a expressividade como chave de acesso à essa intimidade, nem sempre acessível ao dado literal. Seu teor concede a duração possível por ser esboço. As possibilidades da linguagem derivam desses trânsitos pessoais. Na distorção do olhar é possível visualizar os contornos desse continente a se mover. Assim, a realidade se institui, significa-se, desdobra-se na invisibilidade do instante. Seu aparecer inédito contrapõe-se ao ser previsível. A crise, nesse contexto de pretensão definitiva, costuma se instalar como contradição, ditos estrangeiros, evasivas,

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Os homens buscaram parentesco com os derrotados troianos, e não com os vitoriosos gregos. Isso talvez porque haja uma dignidade na derrota que dificilmente faz parte da vitória" "As palavras, diz Stevenson, são destinadas ao comércio habitual do dia-a-dia, e o poeta de algum modo as converte em algo mágico" "(...) imagino que uma nação desenvolve as palavras de que necessita" "Há versos, é claro, que são belos e sem sentido. Porém ainda assim têm um sentido - não para a razão, mas para a imaginação" "Acho, porém, que o fato de termos longos catálogos de palavras e explicações nos faz pensar que as explicações esgotam as palavras, e que qualquer uma dessas moedas, dessas palavras, pode ser trocada por outra" "(...) Quando penso em amigos meus tão caros como Dom Quixote, o sr. Pickwick, o sr. Sherlock Holmes, o dr. Watson, Huckleberry Finn, Peer Gynt, etc.. (não estou certo se tenho muito mais amigos)"

Mais do que erudito, o estudante de Filosofia deve ser um pensador*

A concepção do estudo filosófico como um processo de aquisição de conteúdos, a ponto de tornar o estudante um erudito, não só é recorrente como constitui uma característica comum quando se pensa em uma formação filosófica. É nesse sentido que Folscheid e Wunenburger afirmam que: “A tentação clássica de muitos estudantes sérios é [...] enxergar com complacência essa operação de recuperação, que consiste em suprir as próprias fraquezas pela riqueza de pensamentos que se acumulam como bens adquiridos”[1]. Trata-se, portanto, de uma tentação que não se encontra somente presente na vida do estudante mediano, como também na prática dos estudantes sérios. Desse modo, ao ceder a essa tentação, o estudante torna-se pronto para defender todas as questões apresentadas pela filosofia valendo-se, para isso, daquilo que os outros filósofos disseram. Com isso, um estudante de filosofia, tratará a filosofia como um corpo de respostas às perguntas que lhe são feitas ou como um oráculo

Mundo*

                         “A compreensão significa o projetar-se em cada possibilidade de ser-no-mundo [...] existir como essa possibilidade.” Martin Heidegger O mundo é velho, vejo a foto, vejo a vida, O mundo não passa da minha memória, ele se perde. O mundo é uma árvore que virou pedra, o mundo é mais velho que minha dor. O mundo circula a Terra, a velhice é o mundo, meu capuz é velho, tão velho que minha amada foi embora para outro mundo. O mundo é o tempo que levo até meu trabalho, o lugar que invento mundos, que envelheço com minha dor e procuro fugir deste mundo naufragado, meu país é novo. Sou velho demais para o meu País. Pudesse eu, se quisesse, te daria um mundo, o melhor dos mundos. Não posso comprar nada, nem tudo nem nada, te devolvo os sonhos. Vou dar a volta ao mundo, circular é a fonte de vida, quando menos se espera tem uma nascente. *Prof. Dr. Luis Antonio Paim Gomes Filósofo. Editor. Livre Pensador. Porto Alegre/RS

Aprendimentos*

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silê

Ensinamento*

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra de luxo. *Adélia Prado

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a literatura de Noll (João Gilberto Noll) tira sua força da vida interior e de seus abismos, não dos fenômenos sociais, ou naturais, disponíveis a médicos e sociólogos" "Como Clarice e Kafka, é um escritor que pouco está se importando com a tradição literária, com o desenrolar monótono de tendências e de gêneros, ou mesmo com a recepção do que escreve - até porque cada leitor lê aquilo que quer e que pode ler, e nada mais" "Uma literatura que se calca no inconsciente e que se move nas frestas do irracional, que se faz às cegas e a cada passo, não seguindo manuais de boa conduta, não pode mesmo se pautar pela lógica e pela significação transparente" "Rilke (Rainer Maria Rilke) não separa poesia e vida mas, ao contrário, vê a poesia como o resultado de uma atitude existencial particular, aquela que se pauta não pelo alinhamento a grupos ou tendências literárias, mas pela absoluta solidão" "Em seu refúgio, Hilda (Hil

Uma arqueologia das lembranças*

A gente até que tenta Distorce, retorce De novo tenta Inventa, inocenta Engavetar o tempo Passar a chave Passar a tranca... Memórias Lembranças Atravessam paredes! A gente até que tenta Um novo disfarce Inventa outra cena Acena pras sombras Pras sobras Cava sepulturas E acaba-se Arqueólogo Das lembranças Da memória E se acaba Antropólogo De penadas almas Nostálgicas! *José Mayer Filósofo. Poeta. Livreiro. Especialista em Filosofia Clínica. Porto Alegre/RS

Sou*

Sou o que sabe não ser menos vão Que o vão observador que frente ao mudo Vidro do espelho segue o mais agudo Reflexo ou o corpo do irmão. Sou, tácitos amigos, o que sabe Que a única vingança ou o perdão É o esquecimento. Um deus quis dar então Ao ódio humano essa curiosa chave. Sou o que, apesar de tão ilustres modos De errar, não decifrou o labirinto Singular e plural, árduo e distinto, Do tempo, que é de um só e é de todos. Sou o que é ninguém, o que não foi a espada Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada. *Jorge Luis Borges

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