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Por que ler Hélio Strassburger?*

Hélio Strassburger é um filósofo clínico formado nas primeiras turmas de Lúcio Packter, em meados de 1990. Desde então, fez da filosofia clínica sua dedicação exclusiva. A experiência obtida em consultório, nos hospitais psiquiátricos, na prática docente em diversas cidades do país – formando novos terapeutas, dentre os quais o autor destas palavras – e em contínuos estudos resultou em produção bibliográfica. Por que ler sua obra? Embora a poética da expressão escrita de Strassburger, repleta de vice-conceitos – analogias, linguagens simbólicas e figuradas –, embale a leitura até de quem desconhece a filosofia e a filosofia clínica, seus textos não são para iniciantes. Para os interessados em saber mais sobre a filosofia clínica, a obra de Hélio pode ser considerada como o “segundo passo”. Em que consiste esse passo? O primeiro passo seria a leitura introdutória ou a etapa teórica do curso de formação. O segundo passo, por sua vez, é o exercício de manter-se aberto ao novo, ao inéd

Uma perspectiva prática da recíproca***

  A metodologia da Filosofia Clínica contempla elementos que constituem a estrutura de pensamento e os modos de agir de cada pessoa. Alguns elementos, como a inversão e a recíproca, podem estar tanto na espacialidade intelectiva quanto nas ações do indivíduo. Simplificadamente, inversão é o movimento de trazer o outro ao seu próprio mundo, enquanto a recíproca é ir em direção ao outro.   No espaço terapêutico, a recíproca pode fazer parte da qualificação da relação terapeuta/partilhante, sendo utilizada pelo terapeuta que escuta, acolhe e, principalmente, se isenta de suas perspectivas do mundo e das relações diante do discurso existencial do partilhante. Assim, considera essencialmente o outro para possibilitar o espaço da construção compartilhada.   Em um esboço preliminar, através do discurso existencial do partilhante, a recíproca pode aparecer como tópico importante da estrutura de pensamento. Com a evolução do tempo terapêutico, através do acesso à historicidade, às circunstâ

Polifilosofia, Lógica do terceiro incluso e Filosofia Clínica***

  A Filosofia Clínica é uma filosofia vazia de filosofia: é uma filosofia negativa, é uma não-filosofia, porque é total acolhimento. Ela nada impõe: ela recebe e acolhe as outras filosofias, inclusive as incompatíveis e contraditórias. A sua lógica geral somente pode ser uma lógica na qual as contradições sejam bem-vindas. Bachelard sugere que nenhuma filosofia corresponde à totalidade do mundo: seria necessária a criação de uma polifilosofia, de uma filosofia aberta de segunda ordem, na qual todas as filosofias – mesmo as filosofias contraditórias, mesmo as filosofias incompatíveis – tivessem um lugar. Essa polifilosofia é, propriamente, uma filosofia vazia de filosofia; ela é pura forma, é uma filosofia de segunda ordem, uma metafilosofia. Essa filosofia de segunda ordem, essa filosofia polifilosófica, evidentemente não pode existir segundo as normas da lógica clássica. Afinal, a lógica clássica não suporta as contradições e as incompatibilidades. Ela exige uma lógica do terceiro

Para onde estamos evoluindo?***

A guerra entre o bem e o mal não é travada entre exércitos adversários ou entre cidades e nações inimigas. A batalha entre o bem e o mal acontece dia a dia dentro de cada ser humano.   Segundo Platão, a mente humana trava uma disputa incessante entre três forças para controlar nosso comportamento. Uma das forças é o instinto animal de sobrevivência, preparado para lutar, comer e acasalar. A segunda força são nossas emoções, alegria, raiva, medo. Instinto e emoção funcionam como animais selvagens internos empurrando nosso comportamento para direções pouco aconselháveis.   O cérebro dos humanos evoluiu e desenvolveu o pensamento racional, visando refrear ambos os animais e nos guiar num caminho mais civilizado e justo. Há controvérsias. O mau comportamento não é fruto de atividade de animais ancestrais interiores inferiores, assim como o bom comportamento não é resultado da racionalidade. São metáforas utilizadas para tentar explicar condutas humanas aleatórias.   Cabe então uma pe

O cuidado do cuidador*

  A busca de um exercício ao papel existencial cuidador acessa e constitui no terapeuta, pela via da interseção, um conjunto harmônico para suas vontades. Ponto de partida a instruir os procedimentos essenciais à sua atividade clínica. O filósofo clínico atuante sabe que sua experiência pode valer muito pouco, pois cada partilhante traz consigo uma originalidade desconhecida. Com base no historicismo, fenomenologia, filosofia analítica da linguagem, este novo constructo metodológico exercita um acolhimento e cuidados com a singularidade. Esses referenciais metodológicos dinâmicos, adaptados em uma relação a posteriori , qualificam os atendimentos, reescrevem a história da pessoa a partir de sua própria matéria-prima. Essa nova abordagem trata de aprender com o aprendizado dos seus partilhantes. Analisa, reflete, compreende, compartilha, reelabora em conjunto, exercita sua plasticidade pelo devir existencial ali em frente. Para a S., filósofa clínica há cinco anos, é assim: “Esta

Revista da Casa da Filosofia Clínica Inverno 2022 - Ed. 01

[LEIA AQUI] A ideia aqui é compartilhar um material de qualidade para consulta aos estudiosos e demais interessados na nova abordagem terapêutica. Na mesma direção, destacar a juventude e o frescor da escrita da Filosofia Clínica, a qual se encontra em pleno desenvolvimento bibliográfico. A todo uma excelente leitura! CLIQUE PARA LER

Freios existenciais*

  Quando você for à bela cidade de Dourados, interior do Mato Grosso do Sul, observe que ela não possui subidas e descidas. Tudo é plano, tudo é povoado de planícies, poucos prédios, bicicletas por todo lado, árvores. Caso comprasse algum patinete para transitar pela região, provavelmente não seria necessário que tivesse um daqueles freios de mão. Para quê? Em lugares assim, a gravidade é o melhor e o mais suave freio ao embalo macio que traciona as rodinhas delicadas do patinete. No entanto, há modelos importados que já trazem o freio, modulado por um cabo, que naturalmente faz parecer necessária esta peça acoplada ao veículo. Acredito que alguns ficariam surpresos se soubessem que um patinete não precisa de freios. Talvez não comprassem, talvez devolvessem achando que tivesse um defeito. Lembro disso quando encontro seguidamente no consultório pessoas cujas construções semânticas, sintáticas, gramaticais trazem freios embutidos que não são necessários por aquilo que elas estão

Os filósofos na filosofia clínica*

Uma das diferenças entre a sistematização da filosofia clínica em relação às outras abordagens terapêuticas ocorre no modo em que os teóricos foram aproveitados nessa elaboração. A filosofia clínica não construiu uma teoria sobre o ser humano. Desse modo, Kant, Platão, Hume, Searle, Wittgenstein, Schopenhauer, entre inúmeros outros, não serviram para dizer quem é aquela pessoa que o filósofo clínico recebe em seu consultório. As reflexões dos filósofos foram aproveitadas na medida em que auxiliaram na construção de um meio para compreender as possibilidades de ser de cada pessoa, seu modo de agir e seu mundo. Nesse sentido, um partilhante pode apresentar em sua estrutura de pensamento características formalizadas na filosofia clínica por filósofos ou correntes filosóficas até opostas. Além disso, nem mesmo o sistematizador da filosofia clínica, Lúcio Packter, deve servir como critério para compreender quem está no consultório. Na psicanálise, por exemplo, é Freud quem dá as prime

Notas para una psicopolítica alternativa***

1. La ambivalencia de nuestra coyuntura psicosomática se encarna en la porosidad de una crisis anímica colectiva: el deterioro emocional de nuestras vidas precarias, agravado durante la pandemia, viene operando a su vez como punto de partida de “nuevos activismos psicopolíticos” y de iniciativas de “salud mental desde abajo”. Hoy el problema político es si delegamos la gestión de la crisis en el estado, la industria farmacéutica y el lenguaje progresista de las políticas desde arriba; o por el contrario, podemos resignificar y reapropiarnos de la crisis anímica desde abajo, redirigiendo las dinámicas de investigación y politización colectiva contra las causas estructurales del sistema productor de malestares. Animado por estos desafíos, releo dos libros antagónicos: Psicopolitica de Byung Chul Han (Herder) y Una lectura feminista de la deuda de Verónica Gago y Luci Cavallero (Tinta Limón). Leo de forma fragmentaria y dispersa, pero las resonancias militantes movilizan cierto deseo

Nota Dez*

  Dez foram os encontros, dez as oportunidades de ampliar mundos e nos fazer um pouco mais presentes. Aguçamos leituras de contextos, exercitamos formas outras de estar, sem deixar de ser.   Individualidades oceânicas espraiaram-se generosamente na vazão coletiva de fazer e aprender juntos. Respeitamos tempos, espaços e comandos. De bom grado, em confiantes acordos tácitos.    Com a entrega ao processo, ondas desaguaram na gente, ora como tormenta, ora como calmaria. Incomodados ou fascinados, nunca indiferentes. Soubemos não só sobreviver como tirar proveito da travessia.   Ingressei buscando maior materialidade, canalização corporal (sensorial) às abstrações que me são próprias. Meu corpo, tolhido e tiranizado em tempos de exceção, farto de tamanhas contenções, clamava por expressão, toque, contato, chão.   Pina Bausch, em meio a padrões de repetição, destamponou o mote do movimento. O grito contido que libera a ação. O salto felino que liga a terra ao céu.   Jerzy Grot

El instante aprendiz*

Traducción:  Prof. Dra. Arantxa Serantes   Al esbozar apuntes sobre una lógica de la locura, un envés del absurdo se desvela en astillas de múltiples caras. Frontera donde la normalidad se reconoce en sus paradojas. Una de las características de la expresividad delirante es ensimismarse en desacuerdo con el mundo alrededor. Crea dialectos de difícil acceso para proteger sus versiones de mayor intimidad. El papel de la Filosofía Clínica en la intersección con la crisis inmediata también es presentación indeterminada en un proceso caracterizado por la exageración de la manifestación del que comparte. Un no saber vehicula provisionales verdades en el compartir deconstructivo de las sesiones. Representaciones existenciales difusas se alternan en narrativas del tiempo de la persona. El lenguaje de la locura se constituye en un conjunto de convivencias estúpidas. El punto de partida es la extraordinaria lengua de la persona estructurada en alguna forma caótica. Ernst Cassirer refiere

Apontamentos sobre a lógica dos excessos*

A descrição da loucura, como um fenômeno errático na relação com a realidade consensual, contribui para revelar sua face de cara-metade. Longe de integrar um constructo único e coerente, desdobra-se na pluralidade das perspectivas entreabertas.    É improvável que a verdade delirante se estruture em um lugar onde as experiências concretas não exerçam influência. Como anfitriã, aprecia acolher os ditos da normalidade, ainda quando essa lhe propõe alguma forma de distorção. Uma e outra referem vestígios de intimidade. O tempo subjetivo dos devaneios intervém no espetáculo da realidade. Enquanto o louco é capaz de simular ditos razoáveis, a pessoa normal também pode expressar acessos de insanidade. As diferenças parecem estar relacionadas aos conteúdos, significados e distanciamento de alguma tradução. Na perspectiva de cada um, a vida se apresenta como um devir singular. Mesmo quando experiencia seus dias como se todos falassem a mesma língua. Umberto Eco, em uma estética dos vis

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