Pular para o conteúdo principal

Postagens

Escritura sub-versão*

A escritura aparece como um fenômeno incapaz de aprisionamento. Seu estorvo fundamental consiste na contradição ao discurso socialmente bem ajustado. Sua busca de ser um processo criativo recheado de novas imagens, mensagens, desvãos, aprecia desconstruir caminhos de pretensão definitiva. A partir de si mesma inaugura estilos, idioletos, compartilha estéticas a deslizar epistemologias. Seu não ser reivindica um mundo no esboço de ser original. O discurso alienado é ensinado desde cedo nas escolas da infância existencial. A expressividade que anunciaria o sujeito singular costuma ser diagnosticada, internada, exilada de sua melhor condição. Os desvios assim são tratados a golpes de farmácia, propõem a normalização alienista. A sub-versão dos códigos reconhecidos aprecia a polissemia de um dia qualquer. Sei viés simbólico convida a vislumbrar e refletir sobre as tentativas de mordaça à obra escritura. Seu aspecto fora de si descreve um território inexplorado. Uma trama significat

Como eu te pago isso? ***

Uma das orientações para a prática em consultório, ao conduzir sessões em Filosofia Clínica, é a retomada da narrativa com que o partilhante encerrou a clínica anterior. Na edição de outono desta revista, o artigo Preço de banana e o que a filosofia clínica tem a ver com isso encerrou com um assunto retomado aqui, começando com um roteirizar, submodo que Caruzo esclarece: " O roteirizar é utilizado pelo filósofo para ensinar algo, provocar reforço ou desconstrução, modificar uma verdade pessoal etc. E isso é feito ao narrar uma história (...)." (Caruzo, 2021, p.156 ). O homem entrou pelo portão, caminhou até a varanda, sentou-se e mostrou um pedaço de papel. Já era aguardado, pois havia sido encaminhado pela diretora. "Como eu te pago isso?", pergunta ouvida, após a tradução de um pequeno parágrafo, feita rapidamente, sem consulta ao dicionário. Num átimo, após recobrar-se do susto, a resposta imediata: em dinheiro. Não se tratava de um texto sofisticado que d

O que é a Filosofia Clínica?***

A resposta geralmente adotada pelos filósofos clínicos é: “a Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica aplicada à terapia”. Esta resposta é boa. E não é. É uma boa resposta porque é exatamente isso que a Filosofia Clínica faz: aplica a filosofia da tradição ocidental, a filosofia acadêmica, à terapia. Por outro lado, é uma resposta abrangente demais. Afinal, o conjunto da “filosofia acadêmica” tem uma quantidade muito grande de elementos, que podem ser tão diferentes entre si quanto podem ser diferentes variadas espécies de, digamos, frutas. Por essa razão, a afirmação de que “a Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica aplicada à terapia” é inútil. Aos olhos do leigo – e mesmo de muitos estudiosos – a filosofia é um emaranhado de teorias contraditórias, quando não bizarras; parece que qualquer coisa pode ser filosofia, e que filosofia pode ser qualquer coisa. Mas isso não é verdade. A filosofia tem um fio condutor muito claro. Para explicar isso, vou fazer uma analogia com a

Herói [1] *

A figura do herói como aquele que passa por dificuldades e, através de força interna e externa, persistência, coragem e determinação vence seus obstáculos serve hoje de motivação para empreitadas pessoais. E este herói, diz-nos a sociedade e o conceito de resiliência (devidamente mal aplicado, diga-se de passagem), está no nosso lado, no dia a dia, naquele ou naquela que luta diariamente pelo sucesso no jogo da vida. É, como em Homero, um herói solitário e individual, mas também é como em Hesíodo, um herói que dá conta não de ações guerreiras em favor de uma pátria, mas de ações mundanas que dignificam sua luta e dão valor à sua vida de trabalhador. Partindo desse pressuposto moderno de herói é que o senso comum, aqui entendido como o modo de ser de pensamento cotidiano (Márcia Tiburi, Filosofia Prática – ética vida cotidiana e vida virtual) divulga essas atitudes, posturas e condutas éticas como modelo de virtude. Assim até os participantes do Big Brother tornam-se heróis frente a

Resenha Crítica*

"Pérolas Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável" Ed. Sulina. Porto Alegre/RS. 2012, 142 p. Num estilo que dança por entre “a ilusão da realidade e a realidade da ilusão” o professor e filósofo clínico Hélio Strassburger compartilha com seus leitores suas experiências, vivências e desavenças em seu caminhar como filósofo clínico. Como um passeio pelos recônditos espaços da mente humana o autor nos presenteia com 28 pérolas que ainda imperfeitas na medida em que se constroem na busca pelo direito de serem únicas, singulares e livres das tipologias e semelhanças que mergulham o filósofo clínico num “sobrevoo que não aterrissa”. O livro nos conduz pelos labirintos da relação entre o filósofo clínico e seu partilhante onde a interseção clínica ganha a forma de sentido para o partilhante à medida que seus ainda não traduzidos e interditados conteúdos ganham vida para o filósofo clínico. O livro vai ao longo do caminho desvelando, através de seus apontamen

Silêncio que acolhe*

Gostaria de relatar uma ida minha ao Teatro, quando a noite terminou com forte emoção e muitas reflexões. Era uma noite fresca em São Paulo, dia 26 de fevereiro de 2011, o Teatro Tucarena. A peça, Dueto Para Um, uma adaptação de um dos textos mais conhecidos do inglês Tom Kempinski, inclusive virou filme em 1986 dirigido por Andei Konchalorsky e roteirizado pelo próprio Tom Kempinski, no Brasil foi batizado de Sede de Amar tendo a atriz Julie Andrews no papel do personagem Stephanie. Texto bem escrito, diálogos fortes, a história verídica conta a trajetória da renomada violoncelista inglesa Jacqueline Dupré, que no auge da sua carreira profissional, vê-se impedida de exercer sua vocação por adquirir uma doença degenerativa. A violoncelista vivia em Londres, concertista de renome internacional, era um dos gênios da arte interpretativa do séc. XX segundo João Carlos Martins. Casada com o pianista e maestro Daniel Baremboim é por ele incentivada a procurar uma ajuda terapêutica para cui

El instante aprendiz***

*Traducción:  Prof. Dra. Arantxa Serantes   Al esbozar apuntes sobre una lógica de la locura, un envés del absurdo se desvela en astillas de múltiples caras. Frontera donde la normalidad se reconoce en sus paradojas.   Una de las características de la expresividad delirante es ensimismarse en desacuerdo con el mundo alrededor. Crea dialectos de difícil acceso para proteger sus versiones de mayor intimidad.   El papel de la Filosofía Clínica en la intersección con la crisis inmediata también es presentación indeterminada en un proceso caracterizado por la exageración de la manifestación del que comparte. Un no saber vehicula provisionales verdades en el compartir deconstructivo de las sesiones. Representaciones existenciales difusas se alternan en narrativas del tiempo de la persona. El lenguaje de la locura se constituye en un conjunto de convivencias estúpidas. El punto de partida es la extraordinaria lengua de la persona estructurada en alguna forma caótica.   Ernst Cassirer

Intervenção literária já!*

  Palavras são apenas palavras para quem não sabe ler, para quem não sabe ouvir, para quem não sabe sentir, por exemplo, que há poesia em tudo e quando não inspira, ensina demais. A poesia sempre pode nos transformar e é você quem escolhe se será por dor ou por amor. Mas, se palavras fossem apenas palavras e nada mais, não haveria escrituras, nem contratos, nem constituições inteiras e, pior ainda, não haveria nos contatos humanos nem entendimentos, nem acordos, nem abraços, nem mesmo a poesia. Porventura, as palavras são a expressão das impressões, dos sentimentos, da consciência; são de forma pujante a expressão da vida. Afinal, a arte imita a vida e é por isso que as palavras pulsam tanto aqui e agora sempre em forma de poemas provocados por você. Musa! ***** Intervenção literária já!!! Esse é o meu apelo!!! Uma vez que o povo precisa urgentemente conhecer as suas histórias locais, a história do Brasil, a literatura brasileira e a poesia pelo menos... Depois disso, o d

Plasticidade na vida e na clínica*

A Filosofia Clínica oportuniza um fluxo existencial mais harmônico a partir da singularidade acolhida, escutada, viabilizada e preservada. Aí se inserem aportes da filosofia que facilitam a colheita da historicidade, detectando como essa subjetividade se posiciona no mundo, como ela é e como ela age. Alicerce do planejamento clínico, que promove ajustes e sustentações rumo a um caminhar mais expressivo e menos tensionado, considerando-se a pluralidade do meio. É no âmbito da reciprocidade da relação que se fala em eu, é no encontro que as questões se colocam. Aí a responsabilidade do contato existencial. Enquanto entidade que partilha a existência de outro ser, a identidade do terapeuta reside em sua posição de observador dentro da situação vivenciada. A plasticidade se mantém por escuta máxima e agendamento mínimo, a fim de melhor captar dados sutis de semiose e processos de significação que abundam ao longo da narrativa. Manuais e protocolos estão para favorecer e não soterrar o

O discurso de cada um*

  Cada um de nós tem um discurso próprio, uma forma de verbalizar o mundo. Às vezes compreensível, estruturado, coerente, mas tantas outras vezes nem tanto assim. Muitos apenas deixam transparecer o que lhes vai à alma; outros se descabelam de tanta expressão. Algumas destas expressões são múltiplas e abrangem olhares, toques, sons, paladares, cheiros e também muitos outros sentidos que não podem sequer ser mencionados, tomando a atenção do outro por inteiro. Inúmeras outras expressões, entretanto, se recolhem e se manifestam somente para poucos escolhidos. Muitos mesclam momentos de recolhimento com outros de euforia, nos lembrando que podemos ser imprevisíveis até mesmo dentro de nossa linearidade. Não há um discurso igual ao outro, como não há necessariamente uma imposição de padrões nos discursos já conhecidos, simplesmente porque estes podem mudar.   Quantas vezes, quando supomos já conhecer nossos partilhantes e fazemos nossos próprios discursos em função desses conheciment

Cama para dois*

Ontem chegando ao hospital assisti uma cena inusitada. Uma garotinha de uns seis anos de idade, sem cabelos devido à quimioterapia, sendo levada na maca hospitalar para o centro cirúrgico. O que me chamou a atenção não foi a menininha na cama, foi a mãe da menina, deitada a seu lado. A criança com roupa de paciente e a mãe com roupa de mãe. Isso não é rotina hospitalar, somente uma pessoa costuma estar deitada na cama, e quem está deitado, deve vestir roupa de hospital. Enquanto a maca circulava pelos corredores, a mãe lia para a filha um livro de histórias infantis. Sabia que aquela atitude não era comum dentro de um hospital e que as pessoas a olhavam com estranheza, no entanto, parecia não se importar, estava focada na filha. Não vou conseguir descrever, não encontro palavras que expressem a grandeza do altruísmo desta mulher, mas tentem imaginar. Os olhos da mãe diziam claramente que ela queria estar no lugar da filha, e faria tudo que estivesse a seu alcance para que a menin

Visitas