Heráclito de Éfeso dizia
haver uma harmonia entre os opostos: noite-dia, guerra-paz, fome-saciedade são
pares dialéticos. No fundo, cada par corresponde a uma dupla manifestação de
uma única realidade.
Assim é tudo no mundo
humano.
Seja na história, na
sociedade ou na vida interior de cada um, a todo movimento corresponde o
movimento contrário. Somos seres dialéticos: quando caminhamos numa direção,
caminhamos também na contra-mão.
* * *
É por isso que, na
história humana, todo projeto político leva consigo a sua contradição. Quanto
mais se constrói uma sociedade igualitária, mais desigualdades radicais
inesperadamente surgem. Quanto mais livre é uma sociedade, mais condicionadora
e restritiva, em outro sentido, ela se mostra. Quanto mais alto for um projeto
político que se realiza, mais baixa será a miséria que ele produzirá.
Na vida da sociedade
também é assim: quanto mais tempo as crianças passarem nas escolas, mais dócil
à autoridade será o povo; uma sociedade na qual todas as transações devem ser
reconhecidas cartorialmente é uma sociedade profundamente desonesta e corrupta;
é onde há mais maldade e sadismo que as religiões florescem com mais vigor.
E em nós a dialética da
existência é muito clara: o ciúme é a expressão do sentimento de inferioridade;
o consumo exagerado é fruto de um vazio interior; a agressividade que amedronta
é o recurso que quem ainda é uma criança apavorada.
* * *
É por isso que todo
ocultamento desnuda. Sem que percebamos, o nosso discurso revela os eixos
psíquicos em torno dos quais a nossa existência se ordena: discursar contra
alguma coisa é, de certo modo, posicionar-se junto a ela, é reconhecer que ela
é um centro de interesse do pensamento.
É essa a lição
fundamental de Heráclito: o ser e o não-ser constituem um único eixo no Logos.
Ao mesmo tempo em que eles são opostos, são também complementares. O amor é
amor e ódio, e vice-versa; a guerra é guerra e paz, e vice-versa; entramos e
não entramos no mesmo rio; o rio é outro, mas é o mesmo.
Somos o que somos, mas
também somos o contrário: cada um de nós é e não é uma multidão.
*Prof. Dr. Gustavo
Bertoche
Filósofo. Escritor.
Musicista. Filósofo Clínico.
Teresópolis/RJ
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