“...a recordação de certa imagem não é senão saudade de certo instante...”
Marcel Proust
O que resta desses dias,
do ano que se extingue, como se simplesmente pudéssemos abrir mão da memória e
deixar que o esquecimento decrete o fim? O que ainda existe para terminar,
ainda é uma música a tocar, um dia mais, só mais alguns minutos para ir ao próximo
ano. De ir acima no voo mais distante, depois voltar lá do alto para as
profundezas, num mergulho de resgate, de captar o que de bom está no que já
está para acabar, jogar tudo dentro da alma, depois voltar do fundo, na bagagem
o peso, a leveza no voo para novamente subir ao próximo dia.
A noite será testemunha,
o tempo ficou um pouco nebuloso, logo o sol voltará a brilhar, e voar ao
desconhecido foi o que mais se fez durante esse tempo todo, entre sonhos, a
viagem é poder sentir o som de tudo, do silêncio, o canto do pássaro que acorda
junto do corpo que continua emergindo das águas ao alto, bem longe do alcance
do mal que todo esse ano causou aos que não desistem de sonhar.
E as cores, elas todas
distantes, elas todas dando o tom às reflexões, a vida anda determinada a não
desistir, em águas profundas, o voo é sem perder a força, ver o ofuscar das
sombras, no branco que não perde sua passagem na noite que vem na força da
escuridão dar o caminho inevitável, dar continuidade às estações, enquanto a
ciência distingue o que vem dentro, a impressão da letra tonitruante forma a
história deste ano que se inicia.
Em 2021 terá uma cor, a
pura cor da superfície, dos objetos largados de lado, daquilo que esquecemos
por muitos e longos anos, na procura da perfeição da cor... Então teremos a
descoberta de uma obviedade de que não há pureza na extravagância das cores?
Não sei bem o que dizer, vendo o que ela pinta, sinto que é de uma imensa
peculiaridade em si mesma, diria Wittgenstein, “...pintar uma luz brilhante por
meio de uma cor”.
Todas as cores na
sensação da velhice são tão reais quanto a busca da perfeição. Deixe-os pintar
o que der na telha, é o mesmo que espero do próximo ano, deixemo-nos pintar o
que vem do mesmo novo de cada sensação, e mais uma vez volto ao filósofo quando
diz, lá onde os conceitos de cor tratam, lá também, “...trata-se de uma forma
idêntica aos conceitos de sensações”. Por aí vai, entre o tempo que ficou em
fibras, crostas de um vírus letal, sempre nascerá um novo olhar de pintar o
novo tempo.
*Prof. Dr. Luis Antonio
Paim Gomes
Filósofo. Editor.
Escritor. Livre Pensador.
Porto Alegre/RS
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