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Uma clínica da não palavra*

                                                               “(...) não há qualquer embarcação de lazer nesse rio. Atraídos por uma irresistível corrente, chegam das tempestades e calmarias do mar, do seu silêncio e solidão, para o ponto de ancoragem que lhes é atribuído (...)”

                                                                          Virginia Woolf

 

Existem múltiplos refúgios na expressividade de um não dizer. As poéticas do indizível buscam expandir o conceito para reinventar a ideia. Seus relatos se oferecem entre parênteses, como uma saga sem nome ao olhar.

Nesse texto indefinido, sua menção aparece em rascunhos de feição indeterminada. Ao não ser verbalizado, sua redação caótica, um pouco antes de ser ajustada pela compreensão, deixa entrever a estrutura de onde partiu. Assim, uma inédita zona se anuncia em rastros de originalidade. Sua feição inaudita pode ser descoberta no silêncio porta-voz, assemelha-se à transgressão das miragens nos apontamentos de luz e sombra.

Essa nascente possui uma lógica própria. Sua característica inicial é preencher a página em branco com seu silêncio. Seus apontamentos subjetivos preparam uma vida nova. Um logos multifacetado se refugia dos freios da classificação.

A estrutura da quietude aprecia desconstruir certezas. Sua sintaxe insinua uma arte a descobrir invisibilidades. Ao investigar a matéria-prima dos episódios descontinuados, é possível vislumbrar a realidade da não palavra. Um território difuso se manifesta ao insinuar vontades ainda sem representação. Uma dialética calada se oferece na interseção de ficção e realidade. Seu espectro é visível na estrutura singular.

Para se aproximar desse quase fenômeno é impreciso deslocar-se pelos contornos da indefinição. A escritura do silêncio pode ser representada em cores, sinais, atitudes. Ainda assim, suspeita-se de outras verdades, exiladas naquilo que se permitiu traduzir.

Uma língua estrangeira se aventura na escrita dos espaços vazios. O discurso livre, esse refém das intencionalidades, possui desvãos refugiados nas quietudes. Região de penumbra, meias verdades, vocabulário intuitivo ao modo de ser dos eventos sem batismo.

A vertigem dessas manifestações se anuncia como transbordamento. Uma metafísica dos enredos se expressa na semiose da não palavra. Geografia das lacunas por onde os dialetos do exílio ressoam suas inesperadas versões existenciais. Talvez a aventura fenomenológica consiga descrever o silêncio que tenta se dizer.

*Hélio Strassburger in “A Palavra Fora de Si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017. 

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