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Encontro*

O contrário de perder é encontrar. Quando alguém se perde no mato precisa encontrar a saída. Se perder a carteira, é bom fazer uma reza pra encontrar. Quando se está perdido em um pensamento, um problema, uma adversidade ou uma agrura qualquer, procura-se encontrar a solução para resolver a aflição. Quando você marca um encontro com alguém, esta procurando uma saída, um desenlace ou simplesmente pretende ficar frente a frente, se deparar e ver no que vai dar?

Os americanos têm uma expressão, “date”, que significa ter um encontro ou sair com alguém em um contexto romântico, para que se conheçam melhor. Linguisticamente falando, “ir ao encontro de” significa acolher, concordar. Por outro lado, “ir de encontro a” indica discordância, bater contra.

Na prática, quando marcamos um encontro, usualmente imaginamos que estamos propondo uma junção convergente de pessoas. Só que nem sempre acontece. Tanto pode haver concordância como discordância, embaraço, discussão, indiferença ou até mesmo desprezo. Nem sempre acontecem encontros nos encontros.

Para mim, encontrar significa ir até o outro com mente e coração abertos e sinceras intenções de tentar sentir exatamente o que está se passando com quem desejamos encontrar, deixando cair a imagem que fizemos dele, para que surja a aproximação genuína, isenta de julgamentos ou preconceitos. Estando na pele do outro, torna-se mais fácil entender seu comportamento.

Tenho aprendido muito sobre encontros com meu neto de um ano e três meses de idade. Ainda não fala, mas nos comunicamos perfeitamente. Seus olhos e gestos vêm em minha direção e promovem o encontro. Palavras não são necessárias, às vezes até confundem e atrapalham os encontros.

Mais ainda, a gente sabe quando o encontro acontece, não tem como se enganar. Perde-se o medo, a insegurança e encontra-se parceria, confiança, colaboração, acolhimento, paz. Aquilo que antes era cinza ou não tinha cor, subitamente vira uma obra de arte.

Depois de um dia inteiro de encontros, pego meu neto no colo e começo a embalar seu sono. Os olhos vão fechando, olhando firmemente nos meus, enxergando tudo que precisam e dizendo claramente: estou seguro e tranquilo aqui neste abraço, posso relaxar e dormir. Quantos beijos um encontro de olhares pode dar?

Tenho pensado em quantos encontros desperdicei ao longo da vida por ficar falando de mim e pouca atenção prestar ao outro. Estou disposto a mudar o roteiro. Cada encontro é uma roleta de possibilidades, consequências e realizações, não é preciso ficar seguindo placas e setas que outros deixaram pelo caminho.

Pretendo agora fazer novas viagens, mas não para países ou cidades ao redor do mundo. Quero andar em direção ao outro, visitar pensamentos e sentimentos desconhecidos, misteriosos, inacessíveis. Ser surpreendido com o que nem imaginava encontrar, entregando aquilo que o outro sequer sonhava que eu pudesse oferecer.

O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca. Encontros não são para ser marcados, são para ser sentidos.  

*Dr. Ildo Meyer

Médico. Escritor. Mágico. Palestrante. Filósofo Clínico. Autor da Obra: “Visita de Médico – Uma aproximação entre Filosofia Clínica e Medicina”, na coleção de Filosofia Clínica da Editora Vozes, dentre outras. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.

Porto Alegre/RS

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