“Nesse sentido, a nova abordagem
possui uma representação diferenciada do fenômeno humano; as pessoas passam a
ter nome, sobrenome, uma história de vida singular, linguagem própria,
expressividade peculiar, estabelecendo um abismo com as lógicas da tipologia,
da classificação desumana dos manuais psiquiátricos, os quais, ao oferecer
diagnósticos, prognósticos, curas, normalidades, destituem a pessoa de seu ser
sujeito em ação.” – Hélio Strassburger em Filosofia Clínica: anotações e
reflexões de um consultório. Ed. Sulina. Porto Alegre/2021.
Pode ser que muitos que não sejam
terapeutas e leiam as linhas acima se perguntem, meio frustrados ou estupefatos
pela afirmação feita, “Mas não é assim com qualquer terapia séria? Não é assim
que todas fazem? Como poderia uma terapia ser diferente disso? Então, qual é a
vantagem da filosofia clínica ao afirmar tudo isso?”
Vamos começar pelo maior
contraste, já que, às vezes, o mais próximo é o mais difícil de enxergar as
nuances. Hélio já coloca ali uma divisão diametralmente oposta entre a
filosofia clínica e a psiquiatria que se diz médica, aquela que usa do manual
diagnóstico e estatístico de doença mental (DSM) para rotular, tipologizar,
classificar e estigmatizar as pessoas em nome de uma tal cura medicamentosa
para uma certa doença mental biológica.
Vamos considerar que quando você
vai a um médico-biológico (impressionante eu ter que escrever dessa forma!) e
diz que está com uma dor aguda na parte debaixo da barriga, do lado direito,
além das perguntas frequentes de alimentação, acidente ou outra neste sentido,
ele não pergunta sobre sua vida pessoal ou sobre como você tem se comportado no
trabalho ou com sua esposa.
As perguntas são direcionadas ao
objeto do reclame da dor e, logo em seguida, exames objetivos feitos por
aparelhos que efetivamente medem, “veem”, pesam, o suposto órgão que está sendo
exposto a dor. As doenças associadas ao órgão de então, se não estão fora do
catálogo médico, existem, são reais, são visíveis tanto sua ação quanto o mal
que fazem no tal órgão. Uma biópsia pode ser necessária, e tanto os aparelhos
quanto o tecido ou parte do órgão são realmente acessados e o resultado vem em
forma de objetividade.
Nada disso acontece na
psiquiatria médica. O tal médico-psiquiatra não precisa (se não quiser) nem
olhar para você, nem saber seu nome, nem onde mora, nem suas relações sociais e
precisa somente que você relate seu comportamento e preencha alguns requisitos
com nenhum valor objetivo médico, como o quesito “ele (ou você mesmo) fala em
excesso?” Sendo excesso exatamente o quê?
Ao mesmo tempo que o
médico-psiquiatra tem a “postura” de um médico que ouve a queixa e concentra-se
na procura de causas objetivas, o médico-psiquiatra ouve a queixa e não tem
nenhuma base objetiva da qual possa se apoiar. Mas não precisa, porque o DSM tem
ali as “dicas” de como e onde “enquadrar” aquele comportamento em sintomas de
uma mente doente, que sofre de um desequilíbrio químico em tal ou tal parte do
sistema nervoso. Só que a questão que o paciente do médico-psiquiatra traz não
é corporal, mas comportamental. Sendo assim, não devia, ao contrário de seu
“guru” médico-biológico, saber mais e mais dos contextos sociais e de
relacionamentos em que seu paciente se situa? Mais ainda se for uma criança?
Não, é justamente o contrário o que acontece.
Mesmo o médico-biológico hoje em
dia sabe que inclusive algumas (ou muitas) doenças orgânicas têm a ver com o
relacionamento que o paciente tem com seu meio físico. Antropologistas já
disseram isso há muito tempo. Como então, o médico-psiquiatra, pode ser menos contextualista-social
do que um médico-biológico?
Pois para essa abordagem
psiquiátrica o ser humano não precisa de nome, de sobrenome, de história
pessoal, linguagem e expressividades próprias. Ele é apenas um corpo onde se
comporta de forma anormal devido a um enguiço no seu sistema nervoso. Até meu
mecânico quando levo o carro na oficina pergunta por quais estradas andei antes
de avaliar meu carro e depois de ouvir o que tenho a reclamar de seu
funcionamento.
Neste livro – Filosofia Clínica:
anotações e reflexões de um consultório – de forma leve, com os requintes de um
experiência “pura” em filosofia clínica, ou seja, Hélio nunca usou nenhum outro
suporte metodológico além da própria filosofia clínica em toda sua frutífera
carreira (que ainda continua de vento em popa!), ele mostra os resultados
práticos do seu Ser Terapeuta onde atendeu em hospitais psiquiátricos, em
grandes e pequenas comunidades do Brasil afora, em grandes e pequenas empresas,
escolas e qualquer outro lugar que você possa, porventura, ter em mente. Ele é
a prova da eficácia robusta de metodologia terapêutica da filosofia clínica que
foi estruturada por Lúcio Packter no início dos anos 90. A mesma filosofia
clínica de outrora, aplicada diligentemente, com cuidado, atenção e carinho tanto
ao método quanto àquele que entra em contato com a filosofia clínica.
*Prof. Dr. Fernando Fontoura
Filósofo. Filósofo Clínico.
Escritor. Palestrante. Mestre em Filosofia pela PUC/RS e Doutor em Filosofia
pela Unisinos/São Leopoldo/RS. Possui o título de “Doutor Honoris Causa”
por indicação do conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica. Prof. Titular
de Filosofia Clínica no espaço: Epoché e na Casa da Filosofia Clínica. Autor da
obra: “O ser terapeuta em Filosofia Clínica”. Disponível na Amazon. Dentre
outras.
Porto Alegre/RS
Comentários
Postar um comentário