Às vezes, há instantes que – como
respirações suspensas e eternizadas pelo tênue ar que mantém a fugacidade do
momento – traduzem os infinitos que nos compõem e transpiram a vitalidade da
essência de que somos feitos, como se conseguissem concentrar num átimo toda a
potencialidade da existência. Momentos assim são como pérolas escondidas em
conchas vigorosas que resistem em se revelar, temerosas de que seu valor jamais
seja devidamente apreciado.
E, no entanto, expressam uma
preciosidade que não pode ser transposta na insanidade da realidade que ofusca
e que muitas vezes nem mesmo se percebe. A vida é mais do que o avançar do
tempo, muito mais do que o contar dos batimentos. A vida não se esgota e não se
permite rótulos, embora as vendas se acumulem nos olhos de quem se recusa a
verdadeiramente engolir a pílula vermelha... cor do sangue de que nos
alimentamos, da maçã que nos incita a não resistir tanto às tentações, da
vibração que nos mantém aquecidos e atentos ao instante seguinte.
A vida, aliás, não deveria nunca
ser rotulada, pois que na vã ilusão cotidiana, ela se preenche com uma suprema
e inextinguível capacidade de superação, onde vontades se manifestam e desejos
se infiltram, como mágica que tece os imprescindíveis sonhos.
Como pássaros, que na
essencialidade existem para ser livres e alçar voos, aninhando horizontes em
sua aparente fragilidade, também nascemos para potencialmente existir, segundo
o que nos determinamos. Então, no que consiste a validade do que somos? Esta é
singularmente própria, especial, até mesmo oculta da razão e nos indica
caminhos que relutamos em mergulhar. O que determina o que é certo ou errado?
Em lugar algum está escrito que devemos restringir.
Nem sempre conseguimos expressar
os alentos, alegrias e desesperos que navegam por nossos sentimentos ou por
outras vias da alma. Seria aconselhável uma espécie de pilhagem existencial,
onde as raízes sejam extraídas e a seiva transportada como combustível para que
realizações se cumprissem. A vida deveria ser exaustivamente vivenciada e
forjada a fogo em seus momentos mais sublimes.
Para tanto é preciso, da
perspectiva existencial, considerar que nem sempre o direito é o certo ou o
avesso o lado a ocultar; aliás, melhor seria se não houvesse certo ou errado,
direito ou avesso, em cima ou em baixo... pois, o que há são apenas
perspectivas, direcionamentos que acontecem e para os quais nem sempre temos
condições de ser nem mesmo responsáveis. Porque muitos caminhos se constroem
sem que necessariamente possamos aplacar dores e desafios que, inerentes às
trilhas que se desenham, nos tomam de forma imprevisível e quase absurda?
Aliás, diria Camus: Viver é fazer
que o absurdo viva. Fazê-lo viver é, antes de mais nada, contemplá-lo. Talvez
nunca sejamos capazes de entender precisamente a leitura de um contexto de vida
ou de um simples instante. Cada um poderá ser realmente eternamente
desconhecido a si mesmo, mas sempre perscrutará sua respiração suspensa em
busca desse algo que ainda não captou, que se encontra do lado que ainda não
viu, do avesso que ainda não se atreveu a conferir. É que não sabe ainda o lado
que deve olhar; qual direção que deve seguir, pois que todas são viáveis...
todas o levam a algum lugar.
Então, qual seria o avesso do
avesso, afinal? O lado direito... e por direito vamos entender o lado que somos
de verdade, o que nos identifica, nossa essência, a estrutura que antecede o
pensamento... ou o lado que não se revela, pois que não pôde se fazer visível,
exatamente por sua mais transparente essência.
Só nos resta desejar que as
possibilidades se tornassem passíveis de se expressar... que sejamos generosos
para aceitar e respeitar todas as indizíveis brutalidades ou a extrema e
primordial suavidade de nossas essências! Enfim, não importa o lado, de alguma
perspectiva, seremos inconfundivelmente lindos, irresistíveis e especiais...
singularmente únicos!
*Luana Tavares
Filósofa. Graduada e Mestre em
Filosofia pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Escritora. Filósofa
Clínica
Niterói/RJ
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